sexta-feira, 20 de janeiro de 2017
O preço da ambição
Clay Carter, advogado público, aparentemente, não tinha ambição, uma
vez que se dedicava, exclusivamente, à defesa de pessoas pobres e
marginalizadas, parecendo do tipo acomodado, apesar de ser
reconhecidamente brilhante. Clay, inobstante, conforme se verá adiante,
assim como muitos, cede à primeira tentação, pois, sem formação moral
consolidada, não é capaz de suportar a primeira provocação, ao primeiro
aceno.
Apesar de brilhante, Clay era do tipo mal remunerado, malsucedido, visto que só trabalhava em casos ruins, daqueles que ninguém queria. Ele parecia conformado com a vida simples que levava, em que pese ser filho de um grande e bem-sucedido advogado, que por um deslize moral, caíra no ostracismo e já não era mais lembrado por ninguém.
Clay namorava Rebecca, cujos pais não aceitavam a sua condição de malsucedido profissionalmente. Contudo, ele parecia não estar nem aí para o fim do namoro, que se deu por pressão dos ambiciosos pais de Rebecca, os quais, ricos, prepotentes e sem pudores, queriam o “melhor” para a filha.
Influenciada pelos pais, Rebecca deixava claro a Clay que gostava do que era bom, daquilo que só o dinheiro podia proporcionar, razão pela qual, por influência destes, deu por terminado o namoro com Clay, que ficou arrasado com o desfecho, fato que, muito provavelmente, o impulsionou rumo à ambição que terminaria por lhe trazer fortes dores de cabeça.
Confesso que, à proporção que eu conhecia a vida de Clay, ia me identificando com as suas desventuras, com as suas frustrações, supondo, numa primeira impressão, que se tratava de uma pessoa que não se deixaria levar pela ambição, e que, honestamente, venceria e daria uma lição a Rebecca e a seus pais.
Bastou, inobstante, que se abrisse a primeira oportunidade para que ele revelasse seu lado ambicioso e despudorado – como costumam fazer muitos com os quais às vezes convivemos -, e se aliasse ao misterioso Max Pace, para, em nome de uma grande firma de advocacia, patrocinar ações indenizatórias coletivas, com base em artimanhas e falcatruas, a partir das quais ganhou muito dinheiro, sem nenhuma restrição moral, deixando-se levar pelos interesses mais mesquinhos.
Clay Carter, assim como tantos que conhecemos, acabou totalmente absorvido pela ganância e pelo dinheiro fácil, sempre querendo mais, numa sequência de grandes ações coletivas contra grandes empresas que jogaram no mercado fármacos com algum efeito colateral danoso.
As passagens acima mencionadas – sem spoiler, pode constatar, depois, quem vier a ler o romance -, à guisa de ilustração, são do romance O Rei das Fraudes, de John Grisham, obra ficcional que não está distante da realidade, segundo testemunhamos todos os dias, em face da ambição desmedida de alguns, sobretudo os que exercem cargos públicos, os quais, pelas suas ações, se expõem e expõem, sem pudor, a sua própria família à execração pública.
O lamentável é que essas pessoas, sem freios e sem peias morais, equivocadas, com a mente obliterada pela ambição, pensam que, no exercício do poder, tudo podem – e agem como se tudo pudessem mesmo -, até o dia em que são flagradas e desmoralizadas publicamente (vide o exemplo da Operação Lava Jato), levando na onda desmoralizante os seus filhos e seus parentes mais próximos, que, sem apelo e sem culpa, passam a sofrer as consequências, os efeitos de sua ação incontrolada, que termina por espargir sobre todos os membros da família a lama fétida sob a qual resultou mergulhado, por pura ambição.
Fico me indagando, diante dos exemplos que tenho assistido, em face das notícias sobre corrupção em todas as esferas de poder, o que leva um homem público, bem remunerado, vivendo, como poucos, uma vida com muito conforto, com um bom saldo bancário, dando o que há de melhor aos filhos, consumindo o que se destina a poucos, a se corromper, mercadejar decisões e influências, desmoralizando a si e à instituição a que pertence, além de levar de roldão os que o cercam, impiedosamente.
Para os que pensam e agem assim, sem controle, sem amarras, dispostos a tudo pelo vil metal, é sempre prudente lembrar que ambição tem preço, e que quem opta por desviar a conduta, deve estar ciente de que o preço a pagar pelo luxo que ostenta, à vista de todos, despudoradamente, é muito mais alto do se que possa imaginar, em face dos efeitos que dela (da ambição) irradiam.
Ambição todos nós temos. O termo, de grande abertura semântica, permite várias acomodações. É quase uma ficção viver sem ambicionar alguma coisa. Eu também tenho as minhas, mas não as permito sem controle. Eu gostaria, por exemplo, de ser um filho, um pai e esposo melhor do que sou. Também gostaria de ter a capacidade, que poucos têm, de me conduzir sem deslizes morais, mesmo os irrelevantes, que todos nós, em determinadas circunstâncias da vida, nos permitimos. Isso, todavia, vejo não ser possível, uma vez que esses pequenos deslizes são próprios do homem. Basta olhar em volta de si mesmo e examinar a sua conduta quando está diante da possibilidade de levar vantagem, seja furando uma fila de atendimento ou usando do poder e prestigio que o cargo oferece.
Por ter ciência de que o homem tende ao desvio moral, penso que é preciso que, no exercício de um múnus público, que busquemos, com sofreguidão, controlar os nossos impulsos, conter a nossa vaidade, pois, sem controle, podemos ser levados aos grandes desvios de conduta que podem nos levar, inapelavelmente, à derrocada moral, à desmoralização definitiva.
Aos que integram uma corporação e fazem uso do poder para levar vantagens, fiquem certos de que nada é mais desgastante para uma instituição, em qualquer instância de poder, do que ter entre seus membros pessoas ambiciosas e sem escrúpulos, que estejam a serviço apenas de seus interesses pessoais, pois que, nesse cenário, levam consigo parte da credibilidade da instituição a que pertencem, deixando a malévola e equivocada impressão de que todos têm a mesma tendência, que são todos movidos pelos mesmos interesses.
José Luiz Oliveira de Almeida é desembargador. Membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão.
Por José Luiz Oliveira de Almeida |
Apesar de brilhante, Clay era do tipo mal remunerado, malsucedido, visto que só trabalhava em casos ruins, daqueles que ninguém queria. Ele parecia conformado com a vida simples que levava, em que pese ser filho de um grande e bem-sucedido advogado, que por um deslize moral, caíra no ostracismo e já não era mais lembrado por ninguém.
Clay namorava Rebecca, cujos pais não aceitavam a sua condição de malsucedido profissionalmente. Contudo, ele parecia não estar nem aí para o fim do namoro, que se deu por pressão dos ambiciosos pais de Rebecca, os quais, ricos, prepotentes e sem pudores, queriam o “melhor” para a filha.
Influenciada pelos pais, Rebecca deixava claro a Clay que gostava do que era bom, daquilo que só o dinheiro podia proporcionar, razão pela qual, por influência destes, deu por terminado o namoro com Clay, que ficou arrasado com o desfecho, fato que, muito provavelmente, o impulsionou rumo à ambição que terminaria por lhe trazer fortes dores de cabeça.
Confesso que, à proporção que eu conhecia a vida de Clay, ia me identificando com as suas desventuras, com as suas frustrações, supondo, numa primeira impressão, que se tratava de uma pessoa que não se deixaria levar pela ambição, e que, honestamente, venceria e daria uma lição a Rebecca e a seus pais.
Bastou, inobstante, que se abrisse a primeira oportunidade para que ele revelasse seu lado ambicioso e despudorado – como costumam fazer muitos com os quais às vezes convivemos -, e se aliasse ao misterioso Max Pace, para, em nome de uma grande firma de advocacia, patrocinar ações indenizatórias coletivas, com base em artimanhas e falcatruas, a partir das quais ganhou muito dinheiro, sem nenhuma restrição moral, deixando-se levar pelos interesses mais mesquinhos.
Clay Carter, assim como tantos que conhecemos, acabou totalmente absorvido pela ganância e pelo dinheiro fácil, sempre querendo mais, numa sequência de grandes ações coletivas contra grandes empresas que jogaram no mercado fármacos com algum efeito colateral danoso.
As passagens acima mencionadas – sem spoiler, pode constatar, depois, quem vier a ler o romance -, à guisa de ilustração, são do romance O Rei das Fraudes, de John Grisham, obra ficcional que não está distante da realidade, segundo testemunhamos todos os dias, em face da ambição desmedida de alguns, sobretudo os que exercem cargos públicos, os quais, pelas suas ações, se expõem e expõem, sem pudor, a sua própria família à execração pública.
O lamentável é que essas pessoas, sem freios e sem peias morais, equivocadas, com a mente obliterada pela ambição, pensam que, no exercício do poder, tudo podem – e agem como se tudo pudessem mesmo -, até o dia em que são flagradas e desmoralizadas publicamente (vide o exemplo da Operação Lava Jato), levando na onda desmoralizante os seus filhos e seus parentes mais próximos, que, sem apelo e sem culpa, passam a sofrer as consequências, os efeitos de sua ação incontrolada, que termina por espargir sobre todos os membros da família a lama fétida sob a qual resultou mergulhado, por pura ambição.
Fico me indagando, diante dos exemplos que tenho assistido, em face das notícias sobre corrupção em todas as esferas de poder, o que leva um homem público, bem remunerado, vivendo, como poucos, uma vida com muito conforto, com um bom saldo bancário, dando o que há de melhor aos filhos, consumindo o que se destina a poucos, a se corromper, mercadejar decisões e influências, desmoralizando a si e à instituição a que pertence, além de levar de roldão os que o cercam, impiedosamente.
Para os que pensam e agem assim, sem controle, sem amarras, dispostos a tudo pelo vil metal, é sempre prudente lembrar que ambição tem preço, e que quem opta por desviar a conduta, deve estar ciente de que o preço a pagar pelo luxo que ostenta, à vista de todos, despudoradamente, é muito mais alto do se que possa imaginar, em face dos efeitos que dela (da ambição) irradiam.
Ambição todos nós temos. O termo, de grande abertura semântica, permite várias acomodações. É quase uma ficção viver sem ambicionar alguma coisa. Eu também tenho as minhas, mas não as permito sem controle. Eu gostaria, por exemplo, de ser um filho, um pai e esposo melhor do que sou. Também gostaria de ter a capacidade, que poucos têm, de me conduzir sem deslizes morais, mesmo os irrelevantes, que todos nós, em determinadas circunstâncias da vida, nos permitimos. Isso, todavia, vejo não ser possível, uma vez que esses pequenos deslizes são próprios do homem. Basta olhar em volta de si mesmo e examinar a sua conduta quando está diante da possibilidade de levar vantagem, seja furando uma fila de atendimento ou usando do poder e prestigio que o cargo oferece.
Por ter ciência de que o homem tende ao desvio moral, penso que é preciso que, no exercício de um múnus público, que busquemos, com sofreguidão, controlar os nossos impulsos, conter a nossa vaidade, pois, sem controle, podemos ser levados aos grandes desvios de conduta que podem nos levar, inapelavelmente, à derrocada moral, à desmoralização definitiva.
Aos que integram uma corporação e fazem uso do poder para levar vantagens, fiquem certos de que nada é mais desgastante para uma instituição, em qualquer instância de poder, do que ter entre seus membros pessoas ambiciosas e sem escrúpulos, que estejam a serviço apenas de seus interesses pessoais, pois que, nesse cenário, levam consigo parte da credibilidade da instituição a que pertencem, deixando a malévola e equivocada impressão de que todos têm a mesma tendência, que são todos movidos pelos mesmos interesses.
José Luiz Oliveira de Almeida é desembargador. Membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão.
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