terça-feira, 10 de janeiro de 2017
Agronegócio na Amazônia
Logística e tecnologia sustentam modelo colonialista
Na bacia do Tapajós, a tensão é explosiva: de um
lado projetos para exportar commodities; do outro os povos tradicionais.
Na bacia do
rio Tapajós, no coração da Amazônia, pulsa uma tensão explosiva: de um
lado, estão projetos de mais de 40 grandes hidrelétricas, rodovias, ferrovias,
hidrovias, complexos portuários e tudo mais que um grande corredor de
exportação de commodities demandaria, além, é claro, de grandes projetos de
mineração. Do outro, povos indígenas e comunidades tradicionais que ocupam a região
há mais de 10 mil anos cujos territórios compõem um dos corredores de florestas
com maior diversidade socioambiental do planeta. Os conflitos que se estabelecem
nesse cenário revelam distintos projetos de nação para o país.
Por séculos desprezado, o
cerrado se tornou, nos últimos 15 anos, o orgulho do agronegócio brasileiro,
atingindo os mais altos índices mundiais de produtividade. Porém, o estado de
Mato Grosso – líder absoluto na produção nacional de soja, amargava péssimas
condições para o escoamento de suas safras. Era preciso transportar os grãos
por milhares de quilômetros em rodovias até o embarque para exportação nos
portos de Santos (SP) ou Paranaguá (PR).
Na fronteira norte
mato-grossense, o agronegócio nasce, então, ancorado a três sonhos dourados: o
asfaltamento da BR-163 (a rodovia Cuiabá-Santarém), a ferrovia que correria
paralela à BR-163, já apelidada de “Ferrogrão”, e, o mais audacioso, a hidrovia
Teles Pires-Tapajós.
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TENSÃO EXPLOSIVA De um lado, estão projetos de mais de 40 grandes hidrelétricas, rodovias, ferrovias, hidrovias, complexos portuários e tudo mais que um grande corredor de exportação de commodities demandaria, além, é claro, de grandes projetos de mineração. Do outro, povos indígenas e comunidades tradicionais que ocupam a região há mais de 10 mil anos cujos territórios compõem um dos corredores de florestas com maior diversidade socioambiental do planeta. Os conflitos que se estabelecem nesse cenário revelam distintos projetos de nação para o país. |
A pavimentação da BR-163,
que por décadas chegou a ser considerada uma utopia, hoje, está praticamente concluída.
Até o porto de Miritituba, em Itaituba (PA), faltam apenas cerca de 110 km que
já encontram-se em obras. A construção da Ferrogrão, por sua vez, foi anunciada
por Michel Temer logo que tomou posse como presidente da República. A obra integra
o lote prioritário do programa de concessões em infraestrutura com previsão
de ser leiloada ainda este ano e já conta com um complexo portuário
parcialmente construído em Miritituba.
A bola da vez, então,
parece ser o polêmico projeto da hidrovia Teles Pires-Tapajós.
Carlos Fávaro, atual
vice-governador do Mato Grosso e presidente da Aprosoja, maior cooperativa de
soja do Brasil, não poupa entusiasmo ao referir-se ao Tapajós como o “Mississipi
brasileiro” e como uma “dádiva de Deus”.
De fato, Fávaro entende a
si e aos seus como “agraciados por Deus” por poderem encurtar distâncias e
aumentar vertiginosamente seus lucros com a transformação dos encachoeirados
rios da bacia do Tapajós em uma sucessão de canais navegáveis até os portos do
Atlântico, de onde sua soja navegaria para mercados asiáticos e europeus.
Resta, entretanto,
esclarecer por quem dobram os sinos divinos: se apenas por sojeiros representados
pelo vice-governador ou também pelos muitos povos que vivem tradicionalmente
nas exuberantes florestas às margens dos rios Teles Pires e Tapajós e para quem
as muitas cachoeiras desses rios são sagradas.
Ousadia na Praça do Colonizador
Entre os dias 27 e 30 de
outubro de 2016, a pequena cidade de Juara (MT), na bacia do rio Juruena,
sediou o III Festival Juruena Vivo. O encontro serviu de palco para vozes
geralmente desconsideradas no cenário político de tomada de decisões acerca do
destino dos rios da Amazônia. Compareceram representantes dos povos Apiaká,
Kayabi, Munduruku, Manoki, Myky, Nambikwara, Rikbaktsa, além de ribeirinhos,
camponeses, movimentos sociais, pesquisadores e ONGs, somando mais de 300
participantes.
O munduruku Cândido Waro,
por exemplo, descreveu emocionado a dramática situação vivida por seu povo:
“Duas barragens, Teles Pires e São Manoel, foram construídas no limite da nossa
terra. Elas estão destruindo nossas vidas. O rio Teles Pires está sujo. Nossos
filhos estão morrendo de diarreia. Os peixes estão acabando. Nós não queremos
as barragens, mas o governo não nos ouve. Estão nos destruindo”.
Irônica e
ilustrativamente, o evento que celebrava um autêntico levante contra o modo colonialista
de se pensar a região acontecia na praça central de Juara, ao lado da grande
“Estátua do Colonizador” (ver foto). Erguida em 2010, o monumento ostenta uma
reluzente placa cromada onde se lê: “Aqui começou nossa história[,] pois foi
neste mesmo local que Zé Paraná e outros membros da Sibal [Sociedade
Imobiliária da Bacia Amazônica] iniciaram a trajetória em meio as [sic] cinzas
da primeira derrubada”.
Para Andreia Fanzeres,
coordenadora do Programa de Direitos Indígenas da ONG Operação Amazônia Nativa
(OPAN) e organizadora do evento, o fato de o evento ter acontecido na Praça do
Colonizador não foi obra do acaso: “Todo o pessoal que participou do Festival é
daqui mesmo. É gente invisibilizada, gente que sofre preconceitos, é gente
excluída da vida urbana, no próprio município. Trazer essas pessoas para uma
praça pública, para uma praça chamada do Colonizador, foi uma grande ousadia.”
A “história que começava”
era, na verdade, a negação da trajetória dos povos locais e a sequência da
história de camponeses sem terra em decorrência da concentração fundiária no
Sul do país. Zé Paraná foi um dos beneficiados pelo programa de colonização da
ditadura militar, que dividiu o norte do Mato Grosso entre alguns poucos
“donos”. A região de Juara coube a Zé Paraná, assim como Sinop ficou para Ênio
Pipino, Alta Floresta para Ariosto da Riva e assim por diante. Os novos “donos”
de territórios milenarmente ocupados por povos indígenas vendiam parcelas das
imensas glebas que recebiam para camponeses sem terra do Sul do país. Estes,
por sua vez, tornavam-se compulsoriamente expropriadores dos povos indígenas e
vetores de apagamento de qualquer história que os precedesse; um processo que
segue, como vemos, sendo escrito em praça pública até hoje.
Como a inscrição do monumento
grafa com orgulho, os agricultores que chegavam “começaram a história” fazendo
o que sabiam: derrubar e queimar a floresta para plantar. Ao contrário do que
dizia o slogan do programa de colonização, a Amazônia não era “Uma terra sem
gente para uma gente sem terra”. Não tardaria para que começassem a aparecer
conflitos com povos indígenas e comunidades tradicionais em luta pelo
reconhecimento de seus territórios.
Na verdade, até a
Constituição de 1988, os povos indígenas lutavam pelo direito até mesmo de
poderem continuar sendo índios, uma vez que as terras indígenas eram áreas
destinadas a esses povos “enquanto” eles fossem “assimilados” à dita sociedade
nacional.
O mais recente episódio
desta luta épica e secular é travado agora, quando os índios já perderam
substantivas porções de seus territórios. Muitas tribos ficaram confinadas a
fragmentos de terras, como na porção mato-grossense da bacia do Tapajós,
ilhadas pela expansão da fronteira norte do agronegócio e ainda mais ameaçadas
pelas pretensões logísticas sobre o que sobrou dos territórios indígenas.
Tapajós sob ataque
A reforma agrária e o
reconhecimento dos territórios indígenas e das comunidades tradicionais, lutas
históricas dos movimentos sociais brasileiros, eram tidos por muitos como
certos numa gestão do PT Tais medidas não aconteceram de fato.Como explicaremos
nas próximas matérias da série “Tapajós sob ataque”, os últimos anos agravaram
os problemas e hoje a região está imersa em sérios conflitos territoriais que
alimentam os assustadores e crescentes números de mortes
violentas no campo.
Em declaração feita no
dia 17 de novembro de 2016, na Conferência do Clima da ONU, o ministro da
Agricultura e ícone do agronegócio brasileiro, Blairo Maggi, ilustrou bem a posição
do setor ao classificar as mortes no campo de “problemas de
relacionamento”, tentando reduzir conflitos sociais graves e estruturais a
meras questões pessoais.
Fernanda Moreira, do
Conselho Indígena Missionário (Cimi), em entrevista para The Intercept Brasil,
vê a questão de modo mais complexo: “os assustadores números da violência
contra indígenas, camponeses e lideranças de movimentos sociais indicam o
caráter etnocida das lutas no campo, mas evidenciam, também, a intensidade da
resistência desses grupos”.
As informações são da repórter Sue Branford, do The Intercept Brasil
Com colaboração de Mauricio Torres
Edição da Agência da Baluarte
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