domingo, 10 de janeiro de 2016
Ruy Castro: "Fomos reduzidos a porcarias como axé,
sertanejos e padres cantores"
Escritor lançou recentemente "A Noite do Meu Bem",
livro que narra a história do samba-canção
| O escritor Ruy Castro: "Fomos reduzidos a porcarias como axé, sertanejos e padres cantores" |
Autor de Carmen: uma Biografia, sobre Carmen Miranda,
e Chega de Saudade, no qual conta a história da bossa nova, Ruy
Castro é uma dos principais vozes a resgatar o passado cultural
brasileiro. Nesta entrevista, concedida por e-mail, o autor fala sobre seu novo
livro, A Noite do Meu Bem,
que narra a história do gênero samba-canção, e compartilha sua insatisfação com
o cenário atual da música do país.
Qual o contexto que
permitiu o crescimento do samba-canção, no Rio dos anos 1940?
O samba-canção já existia desde que se inventou o samba, em
fins dos anos 1920. Só que, até 1946, ele não tinha um habitat ideal para se
desenvolver. Os cassinos eram muito grandes e barulhentos, as pessoas não iam
lá exatamente para ouvir música. Quando fecharam, surgiram as boates,
intimistas, escurinhas, sofisticadas. Ali, sim, sentadas a uma mesa com a
mulher ou namorada ao lado e um copo de uísque à frente, as pessoas se deram
conta do que se tocava. Ali se intensificou uma fabulosa produção musical e
surgiram incontáveis grandes compositores e cantores. Gente de classe
internacional, eu diria.
O senhor refuta a
hipótese de que o samba-canção seria o ¿bolero brasileiro¿. Quais foram as
principais características e influências do gênero investigado pelo livro?
Não há a menor identidade rítmica entre o bolero e o
samba-canção. O samba-canção é o samba. Ah, mas o samba-canção e o bolero falam
de amores fracassados. É verdade – mas toda música romântica fala de amores
fracassados, inclusive a americana. E há muitos sambas-canção para cima,
otimistas – é só ver o repertório do Dick Farney, da Doris Monteiro, da Elizeth
Cardoso. Além disso, quando o bolero penetrou no Brasil, no começo dos anos
1940, Ary Barroso e Noel Rosa já tinham criado seus grandes sambas-canção.
Como o samba-canção foi
capaz de desbancar gêneros musicais de fora do país, uma vez que a música
francesa e a americana exerciam grande protagonismo nas rádios
brasileiras?
No passado, a música americana já contava com os discos,
filmes, revistas, jornais e até com os álbuns de figurinhas para se impor em
todos os países. E, como em toda parte, a presença dela no Brasil era enorme.
Só que, na época, fazíamos música brasileira, e muita gente a preferia à música
americana. O samba-canção atendia a todas as solicitações: era melodicamente
sofisticado, harmonicamente complexo, ritmicamente delicioso, bom de dançar com
rosto colado, e as letras eram bem escritas e diziam coisas. Não havia cantor
estrangeiro que vendesse mais que a Angela Maria ou o Nelson Gonçalves. A
partir de 1983 é que a música brasileira passou a macaquear a que se fazia em
toda parte e, aí, a música americana tomou conta.
Qual foi a importância
de Lupicínio Rodrigues para o samba-canção?
Total. Lupicínio, assim como Custodio Mesquita, Herivelto
Martins, José Maria de Abreu e Dorival Caymmi, foi dos primeiros a perceber a
riqueza e a potencialidade do samba-canção. Não por acaso produziu a maioria
dos seus primeiros clássicos.
Há histórias de traição
e violência no livro. A votação do STF em 2015, que tirou a obrigatoriedade da
aprovação prévia de trabalhos biográficos, facilitou a edição do livro?
Para mim, não alterou nada – nunca pedi autorização para
escrever sobre ninguém. A Noite do Meu Bem sairia do mesmo jeito, com ou sem a
votação – e, se alguém quisesse processar, que processasse. Cenas como a
relação entre o poder e o prazer nos anos 1950 fazem parte agora da história do
Brasil. Mas foi fabulosa aquela batalha pelas biografias. Serviu para que
descobríssemos o lado B, egoísta e chegado à censura, de pessoas como Chico
Buarque, Gilberto Gil e outras...
Entre os personagens
investigados, qual foi o mais intrigante?
Gostei muito de levantar as histórias da Nora Ney, da Doris
Monteiro e do Ibrahim Sued, as relações entre o Catete e o Vogue, e,
principalmente, de estabelecer aquela ¿cançãografia¿ do samba-canção, com mais
de 500 títulos de canções. Que patrimônio musical do Brasil, não? Vamos ver se,
agora, os nossos cantores, músicos e radialistas descobrem aquelas
obras-primas.
Seu livro foi festejado
por preencher uma lacuna pouco pesquisada da música brasileira. O senhor
arrisca algum motivo para que o samba-canção não seja mais conhecido
hoje?
O brasileiro é assim mesmo quando se trata do seu próprio
passado. Quando lancei Chega de Saudade, em 1990, ninguém na época queria saber
de bossa nova – estava morta e sepultada havia mais de 20 anos. Com o livro,
ela foi redescoberta e, à sua maneira, discreta e elegante, está no ar até
hoje. Vamos ver se acontece o mesmo com o samba-canção. Não há quem ouça
obras-primas como Chuvas de Verão, Risque, Dó-ré-mi, Ouça, Não Tem Solução e
todas do Lupicínio sem se arrepiar. O samba-canção está esquecido, mas é
formidável, é nosso e cabe a nós ressuscitá-lo.
Qual é o legado
do samba-canção no atual cenário musical brasileiro?
Cenário atual? Legado? Nenhum. Nem do samba-canção, nem do
samba propriamente dito, nem da bossa nova, e nem de qualquer ritmo brasileiro.
Fomos reduzidos a porcarias como axé, sertanejos e padres cantores. A boa
música brasileira hoje não pode contar com as gravadoras, nem com o rádio, nem
com a televisão, nem com as casas de shows e nem com ninguém. Os últimos
grandes cantores se quiserem se apresentar, têm de pagar para cantar. Há muita
gente fazendo coisa boa, mas escondido, sem a menor chance de penetrar no
mercado.
Por Alexandre Lucchese, do ZH Entretenimento
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