segunda-feira, 17 de novembro de 2014
Sem mudar a cultura do estatismo, “Compliance” na Petrobras vira cumplicidade
Graça Foster informou ainda que a empresa não está em condições de fornecer já o balanço do terceiro trimestre. Dá a entender que precisa aguardar os desdobramentos das delações. Com a devida vênia, o cheiro que emana dessa decisão não é bom. Afinal, com ou sem corrupção, o resultado obtido é o resultado obtido, né, dona Graça? Por acaso a percentagem da corrupção será abatida da coluna de despesas? Será acrescida à de lucro líquido? O dinheiro que será devolvido vai se somar à conta corrente da Petrobras? Acho que não, né?
Por Reinaldo Azevedo |
A presidente da Petrobras, Graça Foster, anunciou em teleconferência nesta segunda, em que tratou dos resultados da empresa no terceiro trimestre, que a estatal vai criar uma diretoria de governança corporativa e compliance para aumentar a transparência e o controle interno sobre contratos.
O que quer dizer “compliance”? Falta-nos uma palavra correspondente em português. Precisamos recorrer a um conjunto delas: trata-se de adesão a normas pré-estabelecidas de boa governança, que vão das leis que regem o país às regras do Regimento Interno da companhia. Segundo Graça, o Conselho de Administração já aprovou a proposta. De fato, é espantoso que a maior empresa brasileira e uma das maiores do mundo ainda não disponha dessa estrutura. Mas será que vai funcionar?
Eis o busílis. Sabemos, e temos exemplos recentes, que gigantes mundiais corromperam autoridades de vários países mundo afora. Para citar dois famosos, há a Siemens, que é alemã, e a SBM, que é holandesa. Assim, a gente percebe que empresas privadas também estão sujeitas a cometer ilicitudes — afinal, as empreiteiras que aparecem como corruptoras no escândalo da Petrobras são privadas.
Mas calma lá. Não vamos misturar alhos com bugalhos. Os agentes da Siemens, da SBM e das empreiteiras, todos eles agiram, sim, fora do arcabouço legal para tentar beneficiar seus respectivos negócios, ainda que à margem da lei. E devem responder por isso. Os que atuaram na Petrobras também aviltaram a legalidade, mas para fazer o contrário dos outros: a Petrobras perdeu! Os agentes privados quiseram aumentar o lucro de suas respectivas companhias; os larápios da Petrobras atentaram contra o patrimônio da empresa, que é público.
A minha questão de fundo: numa estatal com as características da Petrobras — ou, mais largamente, nas estatais brasileiras —, é possível haver um real sistema de Compliance? Faço uma pergunta objetiva, mas que soará como ironia: também essa diretoria estará sujeita a interferências partidárias?
O que pode uma estrutura de Compliance contra a nomeação, por partidos políticos, de diretores de Serviço, da Área Internacional, de Refino ou de Gás, por exemplo? Teria como saber se, no valor de um determinado contrato, há uma majoração de 3% ou 4%, que serão revertidos, depois, em propina? Se é para a Petrobras continuar uma empresa majoritariamente estatal — e ela vai continuar porque não há força política relevante com coragem de chamar as coisas pelo nome —, então é preciso mudar as regras para nomear os diretores.
E não apenas da Petrobras. O mesmo tem de valer para todas as estatais. Alguém pode me explicar uma boa razão para que um partido político queira a direção de uma hidrelétrica? Com que propósito? Para defender um credo, uma ideologia, uma convicção. Se não for para fazer caixa, serve pra quê?
Ora, como vocês leram aqui, um único gerente ligado ao petista Renato Duque, ex-diretor de Serviços, aceitou devolver US$ 97 milhões no processo de delação premiada — ou R$ 252 milhões. Um único membro médio da quadrilha toipa devolver um quarto de bilhão! E certamente não morrerão na pindaíba. O que devemos pensar de seus respectivos chefes?
Proponho uma outra questão: as agências reguladoras no Brasil deveriam ser uma espécie de representação técnica, neutra, arbitrando demandas que envolvem serviços públicos em nome da sociedade. E é do interesse da sociedade que os prestadores de serviços lucrem com a atividade, ou não poderão investir; que a cidadania seja atendida, ou o Estado não cumpre a sua função. Trata-se de um trabalho muito próximo disso a que se chama “compliance”.
O que fez o petismo com as agências? Transformou-as em cabide de empregos de militantes políticos ou loteou os cargos entre partidos da base aliada. Deixaram de servir a sociedade e hoje servem a arranjos de poder.
Sim, a diretoria de Compliance pode, sim, significar um pequeno avanço. Mas o buraco, definitivamente, é muito mais embaixo. O verdadeiro mal está na forma como o petismo e seus agregados ocupam o Estado brasileiro e seus entes. Hoje, essa estrutura não serve às necessidades da população, mas aos interesses de um partido político. É assim que o PT entende a tomada do poder. Isso não é uma acusação vazia ou uma hipótese conspiratória. Tal visão de mundo está consolidada em seus documentos e em suas resoluções.
Enquanto os companheiros estiverem no comando, o Estado e seus tentáculos servirão aos objetivos do companheiros, com ou sem diretoria de Compliance.
O balanço
Graça Foster informou ainda que a empresa não está em condições de fornecer já o balanço do terceiro trimestre. Dá a entender que precisa aguardar os desdobramentos das delações. Com a devida vênia, o cheiro que emana dessa decisão não é bom. Afinal, com ou sem corrupção, o resultado obtido é o resultado obtido, né, dona Graça? Por acaso a percentagem da corrupção será abatida da coluna de despesas? Será acrescida à de lucro líquido? O dinheiro que será devolvido vai se somar à conta corrente da Petrobras? Acho que não, né?
Há coisas que parecem não ter cura. No dia em que a presidente da Petrobras anuncia a criação de uma diretoria de Compliance, ela não explica por que não se divulgam os dados do balanço.
Essa gente não aprende nada nem esquece nada. E nós pagamos o pato.
Reinaldo Azevedo é blogueiro da Revista Veja.
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