segunda-feira, 19 de novembro de 2012
O Brasil real e a imprensa nativa: um desencontro marcado
-“A liberdade de imprensa é um bem maior que não deve ser limitado. A esse direito geral, o contraponto é sempre a questão da responsabilidade dos meios de comunicação. E, obviamente, esses meios de comunicação estão fazendo de fato a posição oposicionista deste país, já que a oposição está profundamente fragilizada. E esse papel de oposição, de investigação, sem dúvida nenhuma incomoda sobremaneira o governo [Lula].
Por Roberto Amaral
Em qualquer análise à nossa grande imprensa (ela prefere chamar-se de ‘mídia’), lamentável é a necessidade de repetir, cem vezes repetir e continuar repetindo, que o objeto de nossos ‘meios’ não é informar (já ninguém cobra isenção), mas manipular a informação, e fazê-lo de forma aética, porque escondida, negada, negaciada. A grande imprensa, senhorial, travestida no papel de vestal, toma partido, distorce os fatos segundo seus interesses econômicos-políticos, posando de imparcial. Aliás, penso que a questão de fundo já não é a manipulação, o partis pris, mas a insistência em apresentar-se como isenta, na tentativa de conquistar abono social para sua má conduta. Julga-se acima do bem e do mal, acima das leis e do Estado, mas, ao contrário da mulher de César, não é séria, nem parece ser séria.
É clássico, conhecido até pelos alunos dos primeiros períodos dos cursos de Comunicação Social (meus alunos pelo menos sabiam), o mecanismo de construção da realidade mediante a criação de ‘fatos’, pois, ‘real’ não é o evento assim como ocorreu, mas o evento narrado (a ‘notícia’), real ou não.
Entre nós, esse processo já virou prática cediça, e, uma vez conhecido, a mais ninguém engana. Funciona assim: um órgão da auto-intitulada ‘grande imprensa’ veicula um texto criado em sua ‘cozinha’ a partir de simplesmente nada ou de ilações, o que dá no mesmo, e nos dias imediatos, cada um à sua vez, os jornalões seguem repetindo aquela matéria já como se ela fosse uma ‘notícia’, e o ‘fato’, isto é a matéria inventada, passa a ter vida. Em regra, ou a ‘denúncia’ é lançada por um jornalão e repicada na revistona, ou começa na revistona (é o caso recente) e termina nos jornalões.
Termina, em termos. Pois essas matérias, de extrema falsidade, de um jornalismo que, se tivesse cor, seria a marrom, não foram criadas como obra jornalística, mas simplesmente para alimentar ações políticas, de uma oposição sem capacidade de criar fatos, como docemente nos informa dona Maria Judith, com a alta responsabilidade de presidente da ANJ. Aí, então, eis o ritual, um indefectível senador, sempre presente na mídia televisiva, aparece denunciando a ‘gravidade dos fatos apontados pela mídia’, e sua ‘denúncia’ volta a alimentar a mídia.
Quais são os fatos, desta feita?
A revistona em edição de setembro último, com base numa conversa que o Sr. Valério teria tido com uma terceira pessoa não identificada, afirma, em matéria de capa, que o ex-presidente Lula comandava o ‘mensalão’. A ‘reportagem’, como previsto, vira notícia nos jornalões, nos quais é repetida sem nada lhe haver sido acrescentado, a não ser pelo Estadão (manchete), ao aduzir que o inefável Valério, em depoimento que teria dado ao Ministério Público Federal (inquérito que não tem o mínimo trecho transcrito), teria citado Lula, Palocci e Celso Daniel, relembre-se, o prefeito de Santo André assassinado em 2002, fato volta e meia retomado pela mídia com lances de sensacionalismo. Segundo o jornalão paulista o Planalto teria pedido a ajuda dos cofres de Valério para calar pessoas que não identifica, as quais estariam fazendo chantagem contra quem não diz. A seguir, a pauta volta para a revista.
Sem citar fonte, como sempre, Veja, a inexcedível, ‘descobre’, na edição seguinte, que os chantageados seriam o ex-presidente Lula e o ministro Gilberto Carvalho. E volta o carrossel da irresponsabilidade jornalística: a ‘matéria’ inventada’ vira notícia reproduzida por Estadão, Globo e FSP, até o momento em que um hoje obscuro deputado pernambucano asilado em SP é filmado no protocolo do Ministério Público, em Brasília, pedindo abertura de inquérito contra o ex-presidente.
A propósito dessa manipulação grosseira que procurei descrever em poucas linhas, chega-nos em nosso socorro a jornalista Suzana Singer, a ombudsman da FSP, em sua coluna de 11 do corrente, acusando, com sua autoridade, a imprensa de servir de porta-voz do Sr. Valério, ao reproduzir, sem critério e acriticamente, os recados ameaçadores’ do operador do chamado ‘mensalão. Estariam, assim — as palavras são minhas–, o vetusto Estadão e seus colegões participando de uma chantagem?
Cedo a palavra à brava Suzana:
“É fundamental também deixar claro para o leitor que o empresário mineiro [Valério] não falou com a imprensa – a Veja não diz que o entrevistou, o Estado não publicou transcrições do depoimento e a Folha reproduziu os concorrentes”.
Eis o corpus delicti de nossa imprensa.
Onde mais estará a tragédia republicana? Em uma oposição sem rumo, nau soprada pelos ventos dos empresários da Comunicação, ou em uma mídia que assume o papel de partido político, renunciando ao seu ofício primário de informar? A essa altura ainda será possível (mesmo aos ingênuos de carteirinha) identificar o dever/direito de informar como a missão da imprensa, ou isso é mesmo uma só balela, das muitas que nos pregam, como a ‘isenção’ da Justiça e do Estado na sociedade de classes?
A construção também se dá pelo inverso: a imprensa altera favoravelmente os fatos que lhe desagradam. Na cobertura das últimas eleições, construindo, como “o recado das urnas” a existência de uma oposição reanimada no Norte-Nordeste (manchete de O Globo, 30.10.2012), ou escolhendo como vitorioso o senador Aécio Neves, papagaio de pirata das vitórias do PSB. O mesmo O Globo, já antes, em 2010, dera exemplo primoroso dessa alienação ao garantir, em caderno especial, que o governo Lula havia sido um total fracasso, muito embora a realidade (Ora, a realidade…) mostrasse o presidente com aprovação superior a 80%… Se não podemos mudar a realidade, dir-se-ão os editores do jornal, podemos pelo menos negá-la. Os veículos mais desapegados da realidade (falo da revista paulista e do diário carioca) parecem tratar seus leitores como aquele protagonista de ‘A vida é bela’, que ilude seu filho colorindo-lhe o mundo, para que ele não perceba o contexto em que está vivendo (a dura realidade de um campo de concentração).
Perguntará um rodriguiano ‘idiota da objetividade’: — Mas é possível os meios de comunicação desconsiderarem a opinião pública? Respondo-lhe: esse trabalho político-ideológico é apoiado em um tratamento da informação como um ‘produto’, que visa a um nicho específico do mercado; a família Marinho, por exemplo, oferece, por meio do ‘Jornal Nacional’ (TV Globo), do Globo, da Globonews e do Valor, diferentes produtos, cada um matizado em função do público-alvo. O jornal impresso atende a algo como 300 mil pessoas que partilham, grosso modo, de valores semelhantes àqueles esposados pela cúpula do partido, isto é, da imprensa. Cada um fala à sua militância.
Na vida real, todavia, não há como iludir os eleitores: o ex-presidente deixou o poder consagrado, enquanto seu antecessor posa como um rei no exílio; Dilma foi eleita e os partidos da base do governo ganharam em algo como 16 das 26 capitais em disputa, e, entre elas, Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Curitiba e Porto Alegre, e Natal, Recife, Fortaleza e São Luiz no Nordeste.
Às vezes é duro encarar os fatos.
Roberto Amaral é jornalista e articulista. Escreve para os principais veículos de comunicação do país.
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