domingo, 17 de novembro de 2019
A questão se acirrou há poucos dias, quando foi realizada uma audiência pública em Santo Amaro

Os 155 mil hectares de dunas e restingas, além das lagoas cravadas na areia branca, atraem milhares de turistas ao Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses, no Maranhão. Recentemente, beleza e riqueza naturais também têm atraído discussões e polêmica. No centro do debate está um projeto de lei (PL) proposto pelo senador Roberto Rocha (PSDB-MA), que pretende alterar os limites do parque. Na prática, se o texto for aprovado, suas fronteiras seriam redefinidas, incluindo outras áreas sem ocupação humana, e regiões hoje habitadas por comunidades locais deixariam de integrar o território oficial do parque. Gerido pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), uma autarquia do Ministério do Meio Ambiente, o parque, que por lei é considerado uma unidade de conservação integral, passaria a ter 161 mil hectares com um novo desenho que divide opiniões. O senador afirma que a ideia é expandir a vocação turística da região e diminuir restrições a construções. Já associações de moradores, pescadores e sindicatos de agricultores afirmam que o PL reforça a especulação imobiliária e a exploração ambiental do território.
No mês passado, o Ministério Público Federal manifestou preocupação. 
— Nossa preocupação é com a natureza e as comunidades. Como vai ficar o direito de ir e vir dentro do parque das pessoas que sobrevivem dos recursos locais? Elas vão poder continuar a fazer isso estando fora? — indaga Nivaldo Nunes, presidente do sindicato de trabalhadores rurais e agricultores familiares de Barreirinhas, um dos municípios englobados pelo parque, ao lado de Primeira Cruze Santo Amaro. Nos Lençóis, povoados se formaram na região desde os anos 1970, antes da criação oficial do parque, em 1981. As famílias que já residiam ali, hoje estimadas em três mil pessoas, permaneceram. — Unidades de conservação integral não permitem atividade humana. As populações só continuam lá porque são nativas, e o Estado não conseguiu tirar. Ao retirar as terras em que vivem dos limites do parque, elas não vão poder continuar trabalhando dentro do parque. Então essas famílias do lado de fora, sem poder trabalhar, vão fazer o quê? Vender suas terras para os empresários que virão — diz a antropóloga Maristela de Paula Andrade, da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), que conduz, com outros pesquisadores, análise técnica sobre o projeto.
Destino das Comunidades
A questão se acirrou há poucos dias, quando foi realizada uma audiência pública em Santo Amaro com o senador e moradores. O principal ponto foi o destino das comunidades. —O projeto vai abrir as portas para grandes investidores, pessoas que passam por cima dos outros sem olhar a história daqueles que nasceram e se criaram no lugar — opina Vanildo Soares, presidente da Associação para o Progresso do Atins, que faz parte de Barreirinhas. — Nossa atividade de pesca é totalmente dentro do parque. Se sairmos e não pudermos mais pescar, vai ficar muito difícil.
Líder da Frente Parlamentar
da Rota das Emoções, roteiro turístico que inclui os Lençóis, o Delta do Parnaíba (PI) e Jericoacoara (CE), Roberto Rocha diz que não haverá expulsões e que o parque é que sairá de dentro das comunidades. “Meuú nico objetivoéo de abrir, a exemplo do que ocorre no Parque de Jericoacoara, uma janela para a exploração comercial turística que permita que essa extensão de areia e lagoas possa abrigar resorts, pensões e todos os equipamentos que irão integrar a Rota das Emoções aos roteiros turísticos do Caribe”, explicou, em nota.
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''Se sairmos e não pudermos mais pescar, vai ficar muito difícil''. 
No mês passado, o Ministério Público Federal manifestou preocupação com o projeto. Entre os pontos questionados está a ausência de um estudo de impacto ambiental que permita identificar possíveis prejuízos causados pela alteração geométrica do parque. Os procuradores concluem ainda ser “questionável” o ganho ambiental real e pedem prioridade na participação das comunidades locais, que “contribuem para a economia regional, comercializando castanha de caju e artesanato”.
Proposta Alternativa
Os pesquisadores da UFMA que analisaram o PL concordam com o senador que a delimitação do parque foi feita em uma época de menos tecnologia, com linhas retas de delimitação, que por vezes corta lagoas. O receio, porém, é que, com o projeto, “terras públicas de unidades de conservação integral entrem para o mercado e passem às mãos de particulares”. No estudo, eles recomendam que algumas áreas sugeridas para exclusão sejam recategorizadas e passem a ser unidades de conservação de uso sustentável, como a reserva extrativista.
O parque dos Lençóis entrou, em agosto, no Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) da Presidência da República. O projeto cede à iniciativa privada—investidores nacionais e estrangeiros—o serviço de acesso egestão de unidades de conservação. Segundo o Ministério do Meio Ambiente, o parque está em processo de análise de concessão.

O Globo
Edição de ANB

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