domingo, 17 de novembro de 2019
Fim
dos Municípios
Pela
proposta da PEC, as cidades que não comprovarem a viabilidade financeira até
junho de 2023, e passarem pelo crivo do Tesouro Nacional, serão incorporadas ao
município vizinho
"O
Brasil tem dimensões continentais. A frase é batida, mas é verdade: com todo
esse tamanho, é até esperado que o país tenha tantas cidades. São mais de 5,5
mil, de acordo com o IBGE. E uma boa parte desses municípios são economicamente
inviáveis. A Confederação Nacional dos Municípios (CNM) fez as contas e
constatou que praticamente 80% das cidades brasileiras têm arrecadação própria
inferior a 10% da receita total."
"A
entidade fez esse cálculo porque a proposta de emenda à Constituição (PEC) do
Pacto Federativo determina que municípios inviáveis economicamente a partir
dessa regra e com menos de 5 mil habitantes podem deixar de existir – são 1,2
mil municípios nessa situação em todo o país.
Pela
proposta da PEC, as cidades que não comprovarem a viabilidade financeira até
junho de 2023, e passarem pelo crivo do Tesouro Nacional, serão incorporadas ao
município vizinho de maior indicador econômico em janeiro de 2025. Os dados
populacionais serão os do Censo 2020. A proposta permite a fusão de até três
cidades ao município incorporador."
"O
Congresso historicamente é contrário a esse tipo de projeto que restringe a
criação de novas cidades, e não está sendo diferente na atual. A grande questão
é como o Brasil chegou ao ponto de ter tantas cidades inviáveis. A Gazeta do
Povo elencou quatro razões, da busca por recursos do Fundo de Participação dos
Municípios (FPM), passando pela janela histórica de criação de cidades, o
controle de cargos e a busca por poder eleitoral atrelada a um discurso de
abandono de distritos.
FPM:
todo mundo quer um naco a mais de recurso
Parte
dos recursos federais arrecadados pela União é repassada para estados e
municípios. Esse rateio das receitas obtidas com a arrecadação de impostos é um
tipo de mecanismo usado para amenizar desigualdades regionais, e que podem
promover um equilíbrio socioeconômico entre os entes. No caso das cidades, elas
têm direito ao Fundo de Participação dos Municípios (FPM), que existe desde a
década de 1960."
Lá
atrás, em 1966, o FPM era composto por uma parcela de 10% da arrecadação do
Importo de Renda e IPI, descontados os incentivos fiscais vigentes na época e
outras deduções legais. O critério de distribuição era unicamente baseado na
população dos municípios. O fundo foi ratificado pela Constituição de 1988 e
foi mudando de lá para cá: a parcela de impostos a ser rateada aumentou e os
critérios de divisão do bolo mudaram.
Atualmente,
a parcela de arrecadação de impostos que é dividida com os municípios é de
24,5% (22,5% da parcela básica e mais dois adicionais de 1% cada). Além do
fator populacional, há critérios como localização da cidade (capital ou
interior) e renda per capita que influenciam no valor a ser recebido.
Quem
faz os cálculos para determinar quanto cada município vai receber é a Secretaria
do Tesouro Nacional (STN). Entre 2011 e 2018, o bolo a ser dividido variou
entre R$ 82 bilhões e R$ 89 bilhões, em valores corrigidos pela inflação. Em
2019, os repasses do FPM já somam R$ 66 bilhões, de acordo com dados do Tesouro
Nacional atualizados até 11 de novembro.
Janela
histórica: a multiplicação das cidades nos anos 1990
O
Brasil viu o número de municípios crescer muito em pouco tempo. Em 1940, eram
1.547 municípios, número que saltou para 3.974 em 1980. A brecha constitucional
fez com que os municípios somassem 4.491 em 1991. Para esse avanço diminuir,
foi preciso contar com a Emenda Constitucional nº 15, de 1996, que voltou a
exigir uma lei complementar federal para a conclusão dos processos de
emancipação locais.
Mesmo
assim, foram criados mais municípios depois disso – em 2000, eram 5.507 em todo
o país –, e a questão chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF). Só houve
pacificação do assunto quando o Congresso determinou parâmetros para a criação
das cidades. De acordo com a contagem do Censo 2010, havia 5.565 municípios no
país. Em dez anos, foram criados outros cinco para somar os atuais 5.570.
Atualmente, cerca de 22% dos municípios brasileiros têm menos de 5 mil
habitantes.
Prefeituras
e câmaras: o controle de cargos nos municípios
Junto
com qualquer novo município nascem uma prefeitura e uma Câmara de Vereadores. E
isso significa novos custos e a disputa por controle de cargos. É só fazer as
contas: cada cidade terá um prefeito e seu vice, além de, pelo menos, nove
vereadores – esse é o número definido pela Constituição para cidades até 15 mil
habitantes. Esse número ainda desconsidera a quantidade de funcionários
que seriam empregados em cada Casa.
Levando
em conta os 1.217 mil municípios que poderiam ser incorporados por outros, de
acordo com o cálculo da CNM, isso implicaria na redução de 13.387 cargos, só
fazendo a soma de prefeitos, vices e vereadores. Se o cálculo incluir um número
de 15 funcionários para prefeitura e Câmara de Vereadores, são mais 18.255
cargos que ficam vagos.
Busca
pelo poder e o discurso de autoestima
Se
faltaram critérios técnicos para a multiplicação de pequenas cidades, sobraram
as razões políticas e de busca por poder. E muitas vezes estavam atreladas ao
discurso passional sobre o abandono de localidades isoladas e de como esse
cenário seria transformado caso elas trocassem o status de distritos para o de
municípios, o que ainda reforçava a autoestima.
A
busca pelo poder ocorre em vários níveis, desde a disputa muito focalizada e
local até outras arenas, como as Assembleias estaduais e até mesmo a Câmara dos
Deputados. Afinal, a criação de um novo município pode significar um novo
movimento no xadrez eleitoral dos estados, dando espaço para disputa entre
grupos políticos e a consolidação de um deles no poder.
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