quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017
Reforma da Previdência tende a penalizar gênero feminino, dizem entidades
Entre outras coisas, ONU alerta para risco de descumprimento de pactos internacionais.
Em audiência pública realizada na Câmara Federal nesta quarta-feira (8), parlamentares, entidades e movimentos populares compartilharam preocupações com o tratamento dado pela reforma da Previdência às mulheres.
Estampada na Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 287, a reforma fixa uma idade mínima de 65 anos para a aposentadoria, tanto para homens quanto para mulheres. Além disso, o tempo mínimo de contribuição salta de 15 para 25 anos e, para acessar a aposentadoria integral, o trabalhador precisará contribuir durante 49 anos.
A equidade das exigências para os dois gêneros tem sido um dos pontos mais criticados pelos opositores da medida, para os quais a proposta ignora a divisão sexual do trabalho e tende a penalizar as contribuintes.
Audiência pública realizada na Câmara Federal nesta quarta-feira (8) sobre o impacto da proposta de Reforma da Previdência entre as mulheres. |
“Não se pode equiparar os gêneros como se a realidade fosse a mesma. É preciso perceber que há esses contornos diferenciados, que foram levados em conta na Constituição Federal de 1988 e que agora essa PEC quer desmontar. A reforma é um retrocesso em termos de proteção”, avaliou a advogada Thaís Riedel, do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), destacando a importância do regime de solidariedade em que se pauta a Previdência social.
“Essa proposta é tão cruel que é impossível fazer negociação em relação aos pontos da medida. Nós queremos é que ela seja arquivada”, disse a ativista Natália Mori, do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA).
Outro ponto de preocupação das entidades tem sido a questão da aposentadoria rural, pois a PEC propõe regras que dificultam o acesso aos direitos previdenciários. Um deles é a obrigatoriedade de uma contribuição individual em substituição à aplicação de alíquota sobre o resultado da comercialização da produção, conhecido como Funrural, previsto no Artigo 195 da Constituição.
O Movimento das Mulheres Camponesas (MMC) projeta que a mudança tende a desfavorecer as trabalhadoras. “No contexto das relações desiguais que ainda temos, quando a família tiver que optar por um membro da família pra contribuir, provavelmente será o homem, que ainda é o chefe de família na maioria das vezes. Dificilmente será a mulher, que fica em desvantagem com a nova regra”, disse Iridiani Seibert, da coordenação nacional da entidade.
O fim do regime especial para trabalhadoras e trabalhadores do campo também tem provocado protesto entre os movimentos do campo. Segundo a Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais (Contag), as mulheres do campo vivem, em média, cinco anos a menos que os homens, e 97,6% delas realizam trabalho doméstico. Para o gênero masculino, esse índice cai para 48,22%. Em média, elas dedicam 28 horas semanais a esse trabalho, quase um terço a mais que a média geral das mulheres e quase três vezes mais que os homens que exercem a mesma atividade econômica.
“Houve uma longa luta pra que nós fôssemos reconhecidas na Constituição de 1988 como trabalhadoras rurais, porque antes éramos dependentes do marido, do pai, do irmão. Depois dessa conquista, ao invés de termos ampliação de direitos, temos um retrocesso, com essa exigência de aumento do tempo de contribuição. É uma violência”, disse Alaíde Moraes, da Contag.
A senadora Fátima Bezerra (PT-RN) defendeu que a manutenção de um regime especial para as trabalhadoras do campo precisa ser percebida como um direito. “O regime diferenciado existe inclusive por uma questão de humanidade. Se as mulheres rurais são as que mais respondem por tarefas domésticas, isso precisa ser considerado. Não se pode ver a diferenciação como um privilégio, porque se trata de um direito”, disse a parlamentar.
ONU
Camila Almeida, analista de programas da ONU Mulheres no Brasil, afirmou que uma eventual aprovação da PEC 287 faria com que o país descumprisse acordos internacionais dos quais é signatário. Entre eles, ela destacou a Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW), de 1979, e o Pacto Internacional de Direitos Sociais, Econômicos e Culturais (Pidesc), de 1966.
Ela explicou que tais compromissos geram obrigações para que os países promovam a igualdade de gênero, não só eliminando as medidas que são declaradamente discriminatórias, mas exercendo vigilância sobre formas indiretas de discriminação.
“Há leis ou práticas que, aparentemente, são neutras, mas desconsideram as desigualdades históricas de gênero e acabam permitindo uma perpetuação do problema. No caso da reforma, é isso que ocorre. Equiparar as exigências para aposentadoria só se justificaria se todos os outros indicadores fossem igualitários, o que não ocorre”, pontua Almeida, destacando, entre outras coisas, as diferenças salariais e a prevalência de maiores índices de desemprego entre o gênero feminino.
Segundo relatório do Fórum Econômico Mundial divulgado no ano passado, se o Brasil mantiver o atual ritmo de políticas de promoção da equidade de gênero, levará 170 anos para alcançar a igualdade econômica entre homens e mulheres. Na avaliação dos organismos internacionais que acompanham a problemática, a PEC 287 tende a retardar o processo que levaria a esse horizonte.
“Uma reforma com regras universais acaba por aprofundar as desigualdades. O que nós precisamos é lançar um olhar histórico sobre a trajetória de trabalho de homens e mulheres, respeitando os direitos e buscando atenuar essas desigualdades”, finalizou a analista.
As informações são da repórter Cristiane Sampaio
Edição de Camila Rodrigues da Silva
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