terça-feira, 6 de agosto de 2013
Ninja, um novo modelo de jornalismo
Carlos Castilho
A mesmice da imprensa convencional no Brasil começa a ser sacudida pelo fenômeno Ninja, sigla de Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação (no imaginário popular, está associada aos invencíveis guerreiros nipônicos), que pode sinalizar novos rumos para o debate sobre o futuro do jornalismo no país. Isso ficou bastante claro após o programa Roda Viva(5/8), quando dois fundadores do grupo foram intensamente questionados por alguns dos mais experientes jornalistas da imprensa convencional.
As respostas de Bruno Torturra e Pablo Capilé, durante o programa, e as declarações dadas à BBC, dois dias antes, mostraram que os ninjas, como foram batizados os integrantes do grupo Mídia Ninja, partem de uma mudança radical no conceito de notícia, o que altera a forma de praticar o jornalismo e se reflete diretamente no modelo de sustentabilidade do projeto.
A proposta é muito mais consistente do que estava sendo divulgado, justamente porque até agora a abordagem do fenômeno Ninja passava pelo filtro da mídia convencional, que tendia a mostrá-los como um modismo. No Roda Viva, deu para perceber que, para os ninjas, a notícia não é uma mercadoria, com valor de troca. Depois da internet e do surgimento do fenômeno da massa de mídias (o oposto do conceito de mídia de massa), o valor de uso da notícia se tornou muito mais importante do que sua capacidade de ser monetizada. [O conceito de massa de mídias reflete a variedade e quantidade de plataformas e de conteúdos disponibilizados pela internet por meio da avalancha informativa. A ideia de mídias de massa reflete a preocupação de cada veículo de comunicação atingir a maior audiência possível.]
A fluidez da notícia no ambiente digital caracterizado pela interatividade e recombinação num ambiente de abundância informativa faz com que o seu valor de uso também se torne altamente mutável. A notícia que é importante para mim agora, pode não ser daqui a alguns minutos, quando outra notícia passa a me interessar mais, ou seja, ter mais valor de uso.
Ao ganhar valor de uso, a notícia dá origem a dois outros processos: a colaboração e o escambo. A colaboração é a troca do conteúdo da notícia, onde ela ganha mais valor ou relevância na medida que incorporar mais elementos como causas, consequências, beneficiados e prejudicados. Esses elementos permitem ampliar o interesse direto de uma notícia para pessoas e comunidades, bem como consolidam a sua credibilidade.
A necessidade da colaboração cria as condições para um jornalismo não competitivo e não exclusivista, voltado mais para a produção de conhecimento numa forma estruturada do que para a produção industrial de uma commodity com valor comercial. A colaboração ainda é vista por muita gente como algo teórico, fruto da imaginação vanguardista de alguns gurus da era digital. Mas os ninjas estão mostrando que a nova lógica da notícia com valor de uso também funciona na prática.
A parte mais controvertida do projeto Ninja não é se eles são a favor ou contra o vandalismo em protestos de rua e nem se são uma linha auxiliar do PT, mas o seu modelo de sustentabilidade. O vandalismo e a partidarização do movimento são quase uma obsessão para os jornalões e para a TV Globo, ainda profundamente impregnados pela dicotomia clássica que organiza o mundo apenas pela forma simplista do a favor ou contra, do bem contra o mal, do legal contra o ilegal, quando todo mundo sabe que a realidade se mostra cada vez mais complexa.
Vários entrevistadores tentaram encurralar os entrevistados dentro da lógica do a favor ou contra, mas Torturra e Capilé foram rápidos no gatilho e desmontaram a falsa isenção da mídia convencional ao comentar o contraste entre classificar como quadrilha os envolvidos no escândalo mensalão e de cartel, os acusados de fraudar concorrências na construção do metrô de São Paulo. A roubalheira foi igual, a diferença de termos ficou por conta dos vínculos partidários dos acusados.
O modelo de sustentabilidade do movimento Ninjase apoia nos coletivos cuja existência se baseia na troca de bens e serviços como forma de organizar a sobrevivência do projeto. É claro que ele também precisa de dinheiro porque não vivemos numa sociedade socializada – e o X da questão está justamente em como conciliar estas duas lógicas: a do dinheiro (associado ao valor de troca) com a do escambo/colaboração (associada ao valor de uso). No programa Roda Viva, Pablo Capilé tentou explicar o modelo mas não foi feliz. O tempo era curto demais para sintetizar ideias e propostas que são complexas porque não estão baseadas em modelos prontos.
Mas talvez nesse ponto esteja a principal contribuição que os ninjas podem dar para o debate sobre o futuro do jornalismo, porque a sustentabilidade é o grande dilema da profissão. O modelo convencional de negócios não pode funcionar mais porque está baseado na notícia com valor de troca, algo que está desaparecendo rapidamente como padrão hegemônico. A notícia como valor de troca precisa permanecer estática durante um tempo mínimo para ser comercializada com ganho para quem a produz, coisa que se tornou inviável no ritmo frenético da internet.
Na busca da sustentabilidade no jornalismo, os ninjas ainda vão ter que queimar muitos neurônios, bem como suportar muitos retrocessos nesse esforço. Mas eles estão fazendo muito mais pelo futuro da profissão do que a mídia convencional, ainda paralisada pela obsessão em obstruir a continuidade do PT no Palácio do Planalto.
Carlos Castilho é jornalista e colaborador do portal Observatório da Imprensa.
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