sexta-feira, 26 de janeiro de 2018
Penas iguais indicam
"acerto prévio" no TRF4 contra Lula.
Ex-juiz federal, o governador do Maranhão critica o julgamento e diz
acreditar que os tribunais superiores não permitirão a prisão do petista.
Três desembargadores, uma dosimetria da pena. O julgamento de Lula em
segunda instância não apenas confirmou a condenação de Lula pelo juiz Sergio
Moro pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, mas ampliou a
pena do petista para 12 anos e 1 mês em regime fechado. Embora fosse esperada a
confirmação da sentença do juiz responsável pela Lava Jato em Curitiba,
impressionou a unanimidade dos desembargadores na hora de aplicar uma punição
mais dura ao ex-presidente.
Como não houve divergência, Lula fica impedido de apresentar os chamados
embargos infringentes, o que levaria o processo a se arrastar por mais tempo na
segunda instância e daria fôlego para o ex-presidente disputar a eleição ou até
mesmo protelar sua prisão. Os desembargadores poderiam obter o mesmo resultado
caso confirmassem a pena imposta por Moro, de 9 anos e meio de prisão. O fato
de eles terem cravado uma mesma punição ainda mais dura para o petista parece
indicar que houve acerto prévio para garantir uma unanimidade com o objetivo de
impedir o recurso de Lula.
A análise é do ex-juiz federal Flávio Dino, governador do Maranhão pelo
PCdoB, ex-presidente da Associação Nacional dos Juízes Federais (Ajufe) e
ex-secretário-geral do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Na entrevista a
seguir, Flávio Dino afirma não acreditar que os tribunais superiores
permitirão uma eventual prisão de Lula e critica o corporativismo dos
desembargadores durante o julgamento. “Os três julgadores estavam,
aparentemente, mais preocupados em garantir a autoridade, a respeitabilidade e
a honra da Justiça do que propriamente julgar o caso.”
CartaCapital: A unanimidade no julgamento de Lula e a coincidência
entre as penas impostas pelos desembargadores o surpreendeu?
Flávio Dino: Foram realmente duas surpresas. Primeiro, sempre
achei que jamais houve prova de crime algum. Mas, na pior da hipóteses, eu
imaginava que eles iriam retirar a condenação por lavagem de dinheiro, porque é
sui generis considerar que a própria OAS, detentora do imóvel, é laranja
dela mesma. É algo que no Direito se chama leading case, é um caso único
no direito mundial.
Qualquer pessoa com o mínimo de experiência forense sabe que em um
julgamento dessa natureza só há unanimidade da dosimetria caso ela seja
previamente combinada. Acho que houve acerto prévio, pois é atípico esse nível
de concordância, a não ser que antes haja um ajuste. Claramente, houve um
ajuste para evitar os embargos infringentes. O que torna ainda mais frágil a
punição de quem julgou, da turma do tribunal.
CC: O senhor afirmou em sua rede social que o julgamento
foi repleto de “defesas corporativas”. Por quê?
FD: O julgamento foi aberto com um discurso, com o
relator dizendo que não haveria julgamento da vida pregressa de Lula. Quando se
soma a postura, a atitude, a entonação, a impostação, vemos que na verdade
havia um julgamento acima do próprio caso, que era o julgamento da honra da
Justiça Federal. Os três julgadores estavam, aparentemente, mais preocupados em
garantir a autoridade, a respeitabilidade e a honra da Justiça do que
propriamente julgar o caso. O caso em si foi julgado muito precariamente, com
base em inferências, em considerações diversas que cabem bem em um discurso
político, mas não em um acórdão.
Eles invocaram, por exemplo, o julgamento do "mensalão". O que
o "mensalão" tem a ver com isso? Falaram do José Dirceu, o que ele
tem a ver com os fatos em discussão? Fizeram considerações sobre como se
constrói maioria no Congresso Nacional. E por aí vai. Ao contrário do que foi
dito no início, foi um julgamento abstrato, inquisitorial de um pecador, e não
o julgamento de um acusado de acordo com o processo penal contemporâneo com
base em determinado crime e suas provas. É um processo que começou mal, a
condução na 1ª instância já foi muito ruim, desde aquela célebre condução
coercitiva de Lula, e que, infelizmente, o tribunal resolveu dar continuidade a
isso. Foi muito ruim, tanto na forma quanto no conteúdo. Acho uma peça jurídica
muito frágil.
CC: O senhor acha que os tribunais superiores aceitarão
esse acórdão?
FD: Acho que será revertido, mas não sei em que momento. Provavelmente, nos próximos anos eles vão considerar que neste caso não há prova de corrupção passiva e de lavagem de dinheiro. O crime de lavagem apontado é esdrúxulo. É o único caso de ocultação e dissimulação em que a propriedade do bem continuou com o próprio detentor (OAS), que seria laranja dele mesmo. É um negócio surrealista.
No caso da corrupção passiva, eles dizem que não precisa de ato de
ofício. OK, mas é necessário que você demonstre que a suposta vantagem tem
correlação com o exercício da função. No julgamento, o que definiu essa
correlação são considerações meramente genéricas, do tipo: ele nomeou os
diretores da Petrobras. É típico de quem não tem noção do que é governar uma
estrutura complexa. Imagina se um governador do Estado ou um presidente vai ter
ciência cotidiana e exata de todos os atos de gestão praticados em todos os
órgãos de governo.
Isso é inexigível até de um juiz em sua vara. É impossível cobrar de um
desembargador que ele conheça todos os atos de seu gabinete, do ponto de vista
jurídico. Imagina se é possível cobrar isso de alguém que gerencia um país de
mais de 200 milhões de habitantes. Não se pode presumir, é preciso provar.
Voltamos àquele ponto da má interpretação da Teoria do Domínio do Fato,
que novamente surge nessa construção, segundo o qual ela é igual à chamada
responsabilidade penal objetiva. Como se nomear desse a ele obrigação de saber
de tudo.
CC: Os desembargadores buscaram negar que estivessem
utilizando a Teoria do Domínio do Fato, Leandro Paulsen falou em "crimes
específicos".
FD: Na verdade, eles julgaram com base em uma condenação prévia. Julgaram com base em um desígnio. Eles tinham de confirmar a sentença do Moro, porque se não confirmassem, a imagem da Justiça Federal ficaria maculada. Esse foi o fundamento. O resto foi mero exercício vazio de retórica. Você espreme esse julgamento e não encontra nada. Quem estava em julgamento não era nem a Justiça nem o juiz Moro. Era um réu, acusado de um determinado crime. Aquilo não fica bem. Foi um julgamento realmente surpreendente, bem pior do que eu imaginava.
CC: O senhor acredita que o juiz Moro decretará a
prisão do Lula?
FD: A esta altura, diante da continuidade de
disparates jurídicos, a prudência recomenda que se considera ser bem plausível
que isso aconteça, que haja essa vontade. Não acredito que o STJ e o Supremo
permitam isso. Mas que a vontade de prender está clara, sim, está clara. É um
julgamento que cumpre aquilo que o próprio TRF4 criou. É bom lembrar que o
tribunal, ao apreciar aquele vazamento de escutas telefônicas de advogados,
criou uma categoria chamada "direito excepcional". O que a 8ª turma
fez foi aplicar esse tal direito excepcional da Lava Jato. Só que isso se choca
com a Constituição, esse é o problema.
CC: Como o campo progressista e o PCdoB devem enxergar
as consequências eleitorais dessa decisão?
CC: O senhor acha que o impasse sobre a candidatura de
Lula vai ser um tema central nas disputas estaduais?
FD: É, sem dúvida, um elemento poderoso. Não só no Nordeste, mas todo o processo político do País entra em uma era de brutal incerteza. O candidato líder na pesquisas está na contingência de não poder disputar as eleições. Ninguém sabe se ele poderá concorrer até o final, pois a definição disto só ocorrerá no fim de agosto. Logo, o processo político vai ficar suspenso, haverá uma incerteza muito grande.
A sociedade vai ficar muito polarizada, teremos um País muito fraturado.
Isso já ocorre desde 2013, quando começou esse processo de fratura, que se
aprofundou com o julgamento de Lula. Há uma clivagem muito aguda. Somente
eleições acima de qualquer suspeita podem colar o que está fraturado. A se
confirmar o curso das coisas, teremos uma continuidade desse quadro. É muito
ruim para um país viver esse nível de ruptura das regras do processo
democrático.
De Carta Capital
Edição Agência
Baluarte
| ''O julgamento foi aberto com um discurso, com o relator dizendo que não haveria julgamento da vida pregressa de Lula. Quando se soma a postura, a atitude, a entonação, a impostação, vemos que na verdade havia um julgamento acima do próprio caso, que era o julgamento da honra da Justiça Federal. Os três julgadores estavam, aparentemente, mais preocupados em garantir a autoridade, a respeitabilidade e a honra da Justiça do que propriamente julgar o caso''. |
FD: Acho que será revertido, mas não sei em que momento. Provavelmente, nos próximos anos eles vão considerar que neste caso não há prova de corrupção passiva e de lavagem de dinheiro. O crime de lavagem apontado é esdrúxulo. É o único caso de ocultação e dissimulação em que a propriedade do bem continuou com o próprio detentor (OAS), que seria laranja dele mesmo. É um negócio surrealista.
| ''Eles invocaram, por exemplo, o julgamento do "mensalão". O que o "mensalão" tem a ver com isso? Falaram do José Dirceu, o que ele tem a ver com os fatos em discussão? Fizeram considerações sobre como se constrói maioria no Congresso Nacional. E por aí vai. Ao contrário do que foi dito no início, foi um julgamento abstrato, inquisitorial de um pecador, e não o julgamento de um acusado de acordo com o processo penal contemporâneo com base em determinado crime e suas provas''. |
FD: Na verdade, eles julgaram com base em uma condenação prévia. Julgaram com base em um desígnio. Eles tinham de confirmar a sentença do Moro, porque se não confirmassem, a imagem da Justiça Federal ficaria maculada. Esse foi o fundamento. O resto foi mero exercício vazio de retórica. Você espreme esse julgamento e não encontra nada. Quem estava em julgamento não era nem a Justiça nem o juiz Moro. Era um réu, acusado de um determinado crime. Aquilo não fica bem. Foi um julgamento realmente surpreendente, bem pior do que eu imaginava.
| ''A esta altura, diante da continuidade de disparates jurídicos, a prudência recomenda que se considera ser bem plausível que isso aconteça, que haja essa vontade. Não acredito que o STJ e o Supremo permitam isso. Mas que a vontade de prender está clara, sim, está clara. É um julgamento que cumpre aquilo que o próprio TRF4 criou. É bom lembrar que o tribunal, ao apreciar aquele vazamento de escutas telefônicas de advogados, criou uma categoria chamada "direito excepcional". O que a 8ª turma fez foi aplicar esse tal direito excepcional da Lava Jato. Só que isso se choca com a Constituição, esse é o problema''. |
FD: Partidariamente, temos uma definição pela
pré-candidatura de Manuela D'Ávila, e eu sou vinculado a essa orientação. Mas
minha opinião de que Lula deve, sim, continuar sua candidatura. É uma exigência
democrática. Estamos diante de uma aplicação casuística do direito, o conjunto
da obra mostra isso. E isso leva à necessidade de uma atitude política coerente
e proporcional à dimensão desse casuísmo. A atitude mais recomendável é ele
manter mesmo a candidatura.
FD: É, sem dúvida, um elemento poderoso. Não só no Nordeste, mas todo o processo político do País entra em uma era de brutal incerteza. O candidato líder na pesquisas está na contingência de não poder disputar as eleições. Ninguém sabe se ele poderá concorrer até o final, pois a definição disto só ocorrerá no fim de agosto. Logo, o processo político vai ficar suspenso, haverá uma incerteza muito grande.
Assinar:
Postar comentários
(Atom)
Postagens mais visitadas
-
Natural de Codó, Gerude é autor de clássicos como ’Eu te Conheço Carnaval’, 'Tempo de Guarnicê' e ‘Jamaica São Luís’. Com 42 anos de...
-
ALÉM DO CONCURSO, O MUNICÍPIO TERÁ 60 DIAS PARA APRESENTAR UM CRONOGRAMA COM AS ETAPAS A Justiça do Maranhão determinou que a Prefeitura d...
-
DICA MUSICAL DO BLOG DO FERNANDO ATALLAIA PARA A NOITE DESTA TERÇA-FEIRA Ícone da Música Romântica Maranhense-MRM, Lairton lança novo clipe....
-
Um servidor da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) está sendo processado após chamar o ministro do Supremo Tribunal Federal (ST...
-
Saiu o clipe oficial de 'Ia Ia', nova música do cantor e compositor César Nascimento. A concepção artística e de imagens de referênc...
-
O julgamento que investiga a suposta cobrança de propina em emendas parlamentares por deputados maranhenses pode tomar um novo rumo. Em depo...
-
TEXTO PREVÊ MULTA DE ATÉ R$ 1 MILHÃO PARA POSTOS QUE DESCUMPRIREM A REGRA Para dar mais transparência ao consumidor, o deputado federal Past...
-
O deputado Pastor Gil, maior expoente da Assembleia de Deus em Parlamento, participou do Congresso da União de Mocidade e Adolescentes da As...
-
O cantor e compositor Lindomar Lins, ícone do Brega maranhense, foi o entrevistado da edição nº 69 do podcast Garagem Alternativa, programa ...
-
O deputado federal Pastor Gil usou uma de suas redes para publicizar a aprovação do Projeto de Lei nº 4075, de 2024, sob sua relatoria. O PL...
Pesquisar em ANB
Nº de visitas
Central de Atendimento
FAÇA PARTE DA EQUIPE DA AGÊNCIA DE NOTÍCIAS BALUARTE
Denúncias, Sugestões, Pautas e Reclamações: agencia.baluarte@hotmail.com
atallaia.baluarte@hotmail.com
Sua participação é imprescindível!
Denúncias, Sugestões, Pautas e Reclamações: agencia.baluarte@hotmail.com
atallaia.baluarte@hotmail.com
Sua participação é imprescindível!
0 comentários:
Postar um comentário