COMIDA OU COMMODITY?
Ministério
da Agricultura comemora a "supersafra" de mais de 272 milhões de
toneladas de grãos. E a fome cresce no país
O
Ministério da Agricultura está exultante com a safra de mais de 272 milhões de
toneladas de grãos anunciada esta semana. Isso porque o resultado recorde
representa 15,4 milhões de toneladas a mais que na safra 2019/2020. Um feito e
tanto em tempos de pandemia de covid-19, que esfriou a economia ao afetar
negócios e empregos e levar o país a um tombo de 4,1% em seu PIB, que já estava
encolhido. E mais grave ainda: empurrou milhões de brasileiros para situação de
pobreza extrema e de fome.
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E mais grave ainda: empurrou milhões de brasileiros para situação de... |
“Salvação
da lavoura”
Há anos a
agropecuária é considerada a “salvação da lavoura” quando o assunto é produção,
exportações e balança comercial. Beneficiado por subsídios, como descontos
e isenção de ICMS e de imposto de importação, fora o perdão de PIS e Cofins, o
setor se acha. Tanto puxa brasa para a sua sardinha que se autointitulou “pop,
tech e tudo”. E com tudo isso, a fome aumenta no país das supersafras e volta a
assombrar milhões de brasileiros. Como isso é possível?
Dois anos
antes da pandemia, entre junho de 2017 e julho de 2018, mais de 10 milhões de
pessoas já não tinham o que comer conforme Pesquisa de Orçamentos Familiares
(POF) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Desse total,
perto de 8 milhões moravam na zona urbana e pouco mais de 2 milhões na zona
rural, onde a rigor se produzem alimentos.
De acordo
com a pesquisa, a insegurança alimentar grave – quando a pessoa relata passar
fome – atingiu em cheio 4,6% das famílias brasileiras, o equivalente a 3,1
milhões de lares. E ainda segundo o IBGE, o quadro vem piorando. Aumentou 43,7%
em cinco anos.
Mais
desigualdade
A
tendência é que tenha se agravado com a pandemia, pois esta ao chegar já
encontrou um Brasil marcado pelo aprofundamento da desigualdade social a partir
do golpe de 2016. “Parte significativa dos trabalhadores está sem a
proteção social do trabalho formal devido à crise estrutural do
capitalismo”, destaca a socióloga Sirlândia Schappo. Professora da Universidade
Federal de Santa Catarina (UFSC), Sirlândia observa que essa crise de dimensões
globais assola o país mais intensamente a partir de 2014. Em seu artigo “Fome e
insegurança alimentar em tempos de pandemia da covid-19“, ela assinala: “O
reflexo imediato foi a ampliação do trabalho informal, que passou de 39,1% da
população ocupada em 2014 para para 41,5% em 2018, segundo o IBGE”.
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O número de produtores de alimentos era 4,5 mil. Até setembro de 2020, os mesmos produtores venderam o equivalente a... |
A
necropolítica do governo negacionista de Jair Bolsonaro não poupa as famílias
de agricultores, que em suas pequenas propriedades produzem comida de verdade.
Plano
safra
Logo que
assumiu, o governo Bolsonaro apresentou um Plano Safra para 2019/2020 que
já sinalizava as dificuldades que viriam pela frente. Dos
R$ 225,59 bilhões destinados à agropecuária, o crédito rural ficou
com R$ 222,74 bilhões. O problema é que desse montante, o Programa Nacional de
Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) recebeu apenas R$
31,22 bilhões. Como custear a produção e a comercialização?
“A partir
de 2016, com o golpe e a Emenda 95, do teto de gastos, as políticas sociais e
programas de transferência de renda foram sendo esvaziadas. Equipamentos de
segurança alimentar, como banco de alimentos, foram fechados. Assim que tomou
posse, Bolsonaro extinguiu o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e
Nutricional (Consea). O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) não foi
extinto, mas tem orçamento ridículo. Isto é, de R$ 500 milhões”, disse à Reportagem a
assessora de Direitos Humanos da Fian Brasil, Nayara
Côrtes.
Mais
golpes
Para piorar, Jair Bolsonaro escolheu a agricultura familiar como inimiga. Além de ter excluído esses trabalhadores do auxilio emergencial de R$ 600, vetou quase que integralmente o Projeto de Lei (PL) 735/20. Apresentado em abri e só aprovado em agosto, foi quase que integralmente vetado, pois, de 20 itens, 17 foram derrubados.
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Na realidade, porém, as supersafras servem apenas para dar lucro, e não para matar a fome da população. |
Para
Bolsonaro, não há previsão financeira para essas ações. No entanto, o
governo concedeu benefícios ao agronegócio, facilitando o acesso a
crédito e a financiamento de dívidas de grandes produtores e desoneração do
segmento em contribuições à Seguridade Social.
Segundo
levantamento da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) e pelo Fórum
Brasileiro pela Soberania e Segurança Alimentar (FBSSAN), em 2019 o rendimento
total da agricultura familiar foi de aproximadamente R$ 27 milhões. O número de
produtores de alimentos era 4,5 mil. Até setembro de 2020, os mesmos produtores
venderam o equivalente a R$ 3,6 milhões.
Sem
recursos para plantar
“Muitos
não têm recursos para plantar e muitas vezes falta o que comer”, disse Nayara
Côrtes. “Levamos anos para construir uma política de segurança alimentar para
ser totalmente desconstruída em pouco tempo. E pensar que em 2014, segundo
relatório da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura
(FAO), o Brasil saiu do Mapa Mundial da Fome para voltar 6 anos depois”.
O
retrocesso é tão grande que há no Congresso a proposta de votação em regime de
urgência de um projeto de interesse das indústrias. Trata-se do PL 3.292/2020,
de autoria do deputado federal Vitor Hugo (PSL-GO), que propõe mudar o Programa
Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).
Entre as
mudanças, abolir a compra de alimentos, da prioridade dada a comunidades
tradicionais indígenas e de remanescentes de quilombos.
E a
supersafra?
Conforme
os autores do Atlas do Agronegócio– Fatos e números sobre as
corporações que controlam o que comemos –, não é de hoje que o discurso do
combate à fome é utilizado para alavancar o desenvolvimento tecnológico com
fins prioritariamente comerciais. Assim, a aplicação de mais tecnologia na
produção agrícola é difundida como a única solução capaz de eliminar a escassez
de alimentos e a carência de nutrientes.
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A saída, segundo especialistas, está em novas práticas que contribuam não apenas para a produção de alimentos e a... |
Ironicamente,
esse sistema alimenta a fome e a subnutrição. E por outro lado, o crescimento
da obesidade, transtornos alimentares diversos e doenças crônicas. “Da mesma
forma, as desigualdades e as injustiças socioambientais também fazem parte das
contradições desse modelo em que a comida aparece como mercadoria, e a fome
como um negócio com segmentos diversificados, que vão da ausência ao excesso”,
dizem os autores do Atlas.
Engordar
lucros
O cultivo
de soja ou outros grãos nos latifúndios que avançam sobre assentamentos e
terras indígenas e de povos tradicionais, ou nas lavouras que invadem a
Amazônia, assim como o gado, não vão matar a fome daqueles que ainda possa
comprar comida no Brasil. E sim engordar o lucro de empresas de exportação e
importação desses produtos. É o caso da Archer Daniels Midland, Bunge, Cargill
e Louis Dreyfus Company. E também das empresas de sementes transgênicas e
agrotóxicos, como a Bayer, dona da Monsanto, a Basf, Dow e outras.
A saída, segundo especialistas, está em novas práticas que contribuam não apenas para a produção de alimentos e a soberania alimentar. Mas também com a produção sustentável de alimentos de verdade, livres de venenos, com a reconexão com a natureza, com respeito a quem produz e com a democratização do acesso ao direito à terra.
CIDA DE
OLIVEIRA
EDIÇÃO DE
ANB
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