sábado, 23 de novembro de 2019
DESPROTEÇÃO

Para especialistas, tema não tinha urgência para ser objeto de medida provisória

Desde o último dia 11, os acidentes sofridos por trabalhadores no trajeto de ida ou de volta do local do emprego não são mais considerados acidentes de trabalho.
A modificação está expressa na Medida Provisória (MP) 905, editada pelo presidente Jair Bolsonaro e chamada por opositores de “nova reforma trabalhista” por atacar uma parcela de direitos relacionados ao tema.
Pelo fato de ser uma MP, a proposta tem efeitos imediatos, embora ainda possa ser rejeitada pelo Congresso Nacional após análise do tema.
De acordo com as regras anteriores à MP de Bolsonaro, eram consideradas "acidentes de trajeto" as ocorrências registradas em deslocamentos de ida e volta feitos pelo trabalhador entre a sua residência e o local de atuação profissional.
Nesse casos, o funcionário tinha direito a medidas como pagamento de auxílio-doença acidentário por parte do patrão nos primeiros 14 dias, com o valor devendo ser pago pelo INSS após esse período.
Com a MP 905, os chamados acidentes de trajeto deixaram de ser considerados acidentes de trabalho - Créditos: Agência Brasil/Arquivo
Com a MP 905, os chamados acidentes de trajeto deixaram de ser considerados acidentes de trabalho.
Também eram prerrogativas do trabalhador a continuidade do depósito de FGTS por parte do empregador durante o afastamento e a estabilidade de 12 meses após a volta ao trabalho, entre outros.
Imprecisões
A reforma trabalhista, implantada pelo governo Temer em 2017, alterou um trecho da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) sugerindo que os tempos de deslocamento do trabalhador não seriam mais entendidos como um período em que este se encontra à disposição do empregador.
Esse tem sido o argumento utilizado por defensores da alteração feita pela MP 905, para os quais a reforma de 2017 teria excluído de vez das competências do INSS as horas relacionadas aos acidentes de trajeto e beneficiado o empregador também nesse sentido.
Crítica da MP 905, a presidenta da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Noemia Porto, aponta que o texto aprovado pelo Legislativo em 2017 teria problemas de precisão – "não foi muito bem feito".
Segundo ela, o assunto permanece em discussões por que o artigo 4º da CLT nunca foi alterado.
"Esse artigo, que é principiológico, estabelece a ideia geral de que todo o tempo em que o trabalhador fica à disposição tem que ser computado pra toda a finalidade trabalhista. É controverso que a reforma tenha realmente eliminado as horas de trajeto. Condenações nesse sentido continuam acontecendo na Justiça”, afirma.  
Diante do debate atual, a advogada trabalhista Camila Gomes projeta que a MP 905 tende a trazer maior insegurança jurídica sobre o assunto por conta da jurisprudência já fixada pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) em relação aos direitos previstos anteriormente pela CLT.
“A gente tem uma verdadeira confusão, porque o TST consolidou entendimentos a partir de julgamentos de décadas, analisando milhares de casos, e aí agora você tem uma legislação que afirma o contrário do que foi construído no direito com muita discussão", explica Gomes.
Ela acrescenta que, no caso de uma MP, a insegurança jurídica é ainda maior por não ter sido criada sem qualquer debate público e por ter vigência temporária. 
De acordo com a advogada, a matéria em questão não se enquadra nas previsões legais previstas para MPs pelo fato de o tema não ter caráter de urgência. Essa tem sido uma das principais críticas feitas por opositores e especialistas à medida.
Desproteção
A magistrada Noemia Porto aponta que a alteração trazida pela MP 905 traz desproteção e, por isso, implica em retrocesso para o país diante das conquistas historicamente consolidadas pela classe trabalhadora.  
“Se a gente imaginar a situação de diversos motoristas, de quem pega o transporte para o trabalho, se desloca para o trabalho, essa retirada é injustificável, e a Constituição do Brasil fez uma opção clara pelo incremento do meio ambiente, incluindo o meio ambiente do trabalho.”
Ela explica que o texto constitucional traz a questão do meio ambiente como um direito fundamental e dentro de uma leitura tridimensional, considerando os aspectos natural, cultural e do trabalho.
“Nós teríamos que ter leis infraconstitucionais que cada vez mais melhorassem a proteção ao meio ambiente, e o que a medida provisória faz é justamente o contrário: quer tentar estabelecer uma desproteção a um aspecto do de meio ambiente do trabalho”.
A proposta versa ainda sobre diversas outras questões, como taxação de seguro-desemprego, fim do registro profissional para diferentes categorias, entre outros. Ao todo, a MP recebeu 1.930 emendas (sugestões de alteração) por parte de deputados e senadores e ainda não tem data para votação.
BdF
Edição de ANB 

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