domingo, 2 de junho de 2019

Fabricante austríaca de armas, interessada em abrir fábrica no Brasil, é a principal beneficiada dos contratos sem licitação; além da Glock, outras dez empresas privadas venderam para o governo

Alegando emergência, gabinete militar dispensou licitação de 11 empresas

Legislação prevê dispensa de licitação, mas especialista critica que intervenção não é cheque em branco para esse tipo de contratação

Gastos totais da intervenção chegam a mais de R$ 1,2 bilhão

Onze empresas privadas de segurança e tecnologia nacionais e internacionais assinaram cerca de R$ 140 milhões em contratos sem licitação com o governo brasileiro, todos destinados à intervenção federal no Rio de Janeiro.

O valor — resultado de um levantamento inédito da AP — foi contratado pelo governo federal sob a justificativa de que era preciso pôr em prática ações emergenciais de curto prazo no estado. A intervenção no Rio foi decretada pelo ex-presidente Michel Temer (MDB) em fevereiro de 2018, teve início já no mês seguinte e seguiu até dezembro.

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Com cerca de R$ 46 milhões contratados, a empresa que mais irá receber do governo federal é a austríaca Glock.

Com cerca de R$ 46 milhões contratados, a empresa que mais irá receber do governo federal é a austríaca Glock, famosa pela produção de pistolas usadas por polícias e forças armadas de diversos países – estima-se que ela tenha 65% do mercado de pistolas leves nos Estados Unidos. O Gabinete da Intervenção no Rio fechou um contrato de compra de 15 mil pistolas Glock para a Polícia Militar, 9.360 para a Polícia Civil, 3 mil para agentes da Secretaria de Administração Penitenciária (Seap) e mais 64 para militares do Corpo de Bombeiros. O preço médio de cada uma das armas é de R$ 1,6 mil.

No processo que dispensou a licitação para a compra das armas, o coronel da reserva Francisco de Assis Reis Fernandes se baseou no artigo 24, inciso III, da Lei das Licitações, que libera compras sem licitação “nos casos de guerra ou grave perturbação da ordem”. O governo também argumentou que o contrato com a Glock atendia ao plano estratégico da intervenção e observava os critérios de “urgência, eficiência e economicidade”.

Campeã na intervenção, Glock tem histórico de venda para órgãos públicos sem licitação

A Glock vem ganhando espaço no mercado nacional há anos, na esteira de mudanças na legislação brasileira sobre produção e comercialização de armas — em 2017, a empresa anunciou interesse em abrir uma fábrica no Brasil, logo após Temer ter liberado a instalação de uma indústria da suíça Ruag em Pernambuco.

No mesmo ano, o Senado havia aprovado a compra de cem pistolas Glock sem licitação para uso da Polícia Legislativa da casa. No contrato, no valor de R$ 161 mil, o argumento para dispensar a licitação foi que as armas da empresa eram as únicas no mundo com “um mecanismo de segurança passivo, denominado safe action” que previne “disparos acidentais, em caso de quedas ou choques bruscos”, diz o texto.

Ainda em 2017, a Glock venceu um contrato para vender 10 mil pistolas para a Polícia Rodoviária Federal (PRF) — novamente com dispensa de licitação. A compra, no valor de R$ 18,5 milhões, justificou a falta de licitação por “inviabilidade de competição”.

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Com o governo brasileiro, a CTU fechou um contrato de venda de...
A decisão foi polêmica: diversas outras empresas de armas que disputavam o contrato questionaram a decisão do governo em fechar o contrato diretamente com a Glock. Em audiência pública, um representante da brasileira Taurus afirmou que o edital foi “direcionado a um produto específico de fabricação exclusiva por determinada empresa do ramo, limitando a competição”. Já o representante da Indústria de Material Bélico do Brasil (Imbel) acusou as especificações do edital de impedir fabricantes brasileiras de participar da competição e levantou a questão que, “se ao final do processo restarem poucas empresas, deixará de ser atendido o princípio da Competitividade”. A estrangeira Sig Sauer questionou diversos pontos do contrato afirmando que as especificações traziam vantagens competitivas à Glock. Todos os questionamentos foram rebatidos pelos técnicos da PRF.

A Glock vende para o governo brasileiro ao menos desde 2005, quando firmou contratos com a Polícia Federal. A Pública procurou a empresa, mas não obteve resposta até a publicação desta matéria.

Mais dez empresas nacionais e estrangeiras fecharam R$ 95 milhões em contratos sem licitação

Em segundo lugar entre os maiores contratos com o governo brasileiro está a CTU Security, uma empresa de segurança baseada na Flórida, nos Estados Unidos. Ela foi citada nas revelações do WikiLeaks em 2015 sobre a Hacking Team, uma empresa italiana conhecida por desenvolver ferramentas de vigilância e espionagem cujos programas foram acusados de roubar senhas de jornalistas e espionar ativistas de direitos humanos em países como os Emirados Árabes Unidos e Marrocos. O vazamento do WikiLeaks mostrou que a CTU buscou a Hacking Team para tentar vender projetos conjuntos de vigilância para o governo do México, revelando interesse, inclusive, na implantação remota de softwares espiões em computadores.

Com o governo brasileiro, a CTU fechou um contrato de venda de 9.360 coletes à prova de bala para a Polícia Civil. O custo médio de cada colete é de R$ 4,3 mil. De acordo com o Portal da Transparência, o governo federal já pagou R$ 35,9 milhões à CTU. O pagamento coloca a CTU como o quinto maior fornecedor do governo federal na área de segurança até este momento em 2019.

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CONTRATOS SEM LICITAÇÃO  Teve a mesma justificativa utilizada para a Glock: o...

A terceira colocada é a empresa mineira de vigilância e segurança privada Emive Patrulha 24 Horas, que se apresenta como a maior do ramo na América Latina. Ela fechou um contrato de mais de R$ 27 milhões para instalação de sistema de videomonitoramento nos edifícios de 54 unidades prisionais e hospitalares da Administração Penitenciária do Estado.

A dispensa para a licitação da Emive teve a mesma justificativa utilizada para a Glock: o inciso III da Lei de Licitações, que libera compras sem licitação nos casos de guerra ou grave perturbação da ordem.


AS INFORMAÇÕES SÃO DA AP
EDIÇÃO DA AGÊNCIA BALUARTE

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