segunda-feira, 30 de abril de 2018
Meta é
ter um representante por Estado no Congresso para defender terras ameaçadas
por pressão de
fazendeiros e empresários,
denunciar assassinatos e desmonte da Funai
A bancada ruralista
no Congresso cresceu desde 2014, e ganhou fôlego
com a entrada do Governo Michel Temer, que passou a usar as terras indígenas
como instrumento de barganha para manter o apoio desses parlamentares. Para
reagir a esse quadro, representantes de cerca de cem povos indígenas
brasileiros se comprometeram nesta quinta-feira a apoiar candidaturas de índios
e índias
para o parlamento e para a vice-presidência
da República.
De simples espectadores da política, eles
agora querem se tornar protagonistas. A meta é
ousada: eleger ao menos um índio por
Estado que lançar candidatura. Um levantamento
prévio
feito pela Articulação dos Povos Indígenas
do Brasil (APIB), constatou que há
ao menos 36 pré-candidatos aos cargos de
deputado estadual, deputado federal e senador que se declaram índios
de diversas etnias e buscam o apoio de seus “parentes”, como eles se
chamam. Hoje há mais de 800.000 indígenas
no país,
uma força
importante que quer ver-se melhor representada no Congresso para defender sua
cultura e suas terras, constantemente ameaçadas
pela invasão do homem branco, e para
denunciar os assassinatos.
Desde Mario Juruna,
que ocupou uma vaga de deputado federal pelo PDT do Rio de Janeiro entre 1983 e
1987, nenhum outro indígena esteve no
parlamento brasileiro. Há dezenas deles em Câmara
Municipais e nenhum em Assembleias Legislativas. “No Congresso Nacional temos apenas
simpatizantes. Militantes em movimentos sociais que nos ajudam, mas não
pensam como pensamos. Não conhecem nossas
necessidades de fato”,
afirmou Marivelton Barroso, presidente da Federação
das Organizações Indígenas
do Rio Negro. Do povo Baré, Barroso representa
um grupo de 40.000 índios, de 23 povos
que vivem no noroeste do Amazonas. Os anúncios
das pré-candidaturas
juntamente com os pedidos de apoios foram feitos como um dos atos de
encerramento do Acampamento Terra Livre (ATL), em Brasília.
O acampamento na capital ocorre anualmente e está
em sua 15ª edição.
Desta vez aconteceu entre os dias 23 e 26 de abril e reuniu milhares de indígenas
na capital do país.
Desmonte da Funai
Pelo segundo ano
seguido, o ato testemunhou o governo federal demitindo o presidente da Fundação
Nacional do Índio (Funai), o órgão
responsável
pela política
indigenista, durante os dias do encontro. Nas duas ocasiões,
a razão
para a queda do chefe da Funai foi o mesmo: queixas da bancada ruralista que não
se sentiam seguras com o comando da fundação.
Os parlamentares temiam que houvesse um avanço
das demarcações de terra pelo país
e, consecutivamente, houvesse uma redução
das áreas
dos grandes latifundiários.
O general Franklimberg Freitas, que ocupava a presidência da Funai, pediu demissão alegando pressão dos ruralistas. Agora, o cargo passa a ser ocupado por Wallace Moreira Bastos, um empresário e pregoeiro sem nenhuma experiência com a questão indígena. “O desmonte da Funai é feito pelo Congresso Nacional com a anuência do presidente. Eles colocam políticos em cargos técnicos para evitar que nos atendam”, afirmou Dinamã Tuxá. No documento firmado ao fim do encontro, os representantes dos povos indígenas foram explícitos na crítica ao novo presidente do órgão. “Não aceitamos o loteamento político da FUNAI, especialmente para atender interesses da bancada ruralista e demais setores anti-indígenas, como as últimas nomeações de presidentes, incluindo a do Sr. Wallace Moreira Bastos, cujo currículo denota completa ignorância das questões indígenas”.
Para tentar amenizar
as críticas
a sua falta de atenção para com os índios,
o presidente Michel Temer (MDB) anunciou nesta quinta-feira que homologou a
demarcação
administrativa da terra indígena Baía
do Guató,
no Mato Grosso. Uma área de 20.000
hectares na cidade de Barão de Melgaço
deixa de ser de fazendeiros e passa a ser dos índios.
Apesar de tentar parecer que era um ato de boa vontade com os Guató,
Temer só
o fez por conta de uma decisão judicial. É
a primeira homologação de seus dois anos
de governo. Enquanto as demarcações estão
empacadas, há 400 áreas
reivindicadas por indígenas que aguardam o
andamento dos trâmites na Funai.
Cacique Raoni
O coro pelas candidaturas indígenas foi reforçado pelo famoso cacique Raoni Metuktire, da etnia caiapó. Em sua língua nativa, ele fez um discurso para os 3.500 participantes do ATL conclamando os índios a não brigarem entre si e, ao invés de votarem nos brancos, apoiarem seus pares. “Essa união tem de ser mantida”, afirmou o cacique, segundo o apresentador do evento que traduziu o discurso de Raoni do caiapó para o português.
As informações são do repórter Afonso
Benites
Edição da Agência Baluarte
Hoje há mais de 800.000 indígenas no país, uma força importante que quer... |
Entre os pretensos
ocupantes das cadeiras de autoridades, estão
correligionários dos extremos do espectro
político.
Tem desde Sônia Guajajara, candidata a
vice-presidente de Guilherme Boulos, do esquerdista PSOL, até
militantes do PSL, o partido do deputado de extrema direita Jair Bolsonaro. No
evento, também se apresentaram como
candidatos índios políticos
vinculados ao PP, REDE, PV e PCdoB. “Não
estamos preocupados com os partidos. Nossa causa é
a causa indígena, diz o advogado Dinamã
Tuxá,
um dos coordenadores nacionais da APIB. “Fomos colonizados há
518 anos. Cabe a nós nos
descolonizarmos, mas, para isso, temos de eleger os nossos parlamentares”,
completou Dinamã, natural do povoado
Tuxá,
da Bahia.
O general Franklimberg Freitas, que ocupava a presidência da Funai, pediu demissão alegando pressão dos ruralistas. Agora, o cargo passa a ser ocupado por Wallace Moreira Bastos, um empresário e pregoeiro sem nenhuma experiência com a questão indígena. “O desmonte da Funai é feito pelo Congresso Nacional com a anuência do presidente. Eles colocam políticos em cargos técnicos para evitar que nos atendam”, afirmou Dinamã Tuxá. No documento firmado ao fim do encontro, os representantes dos povos indígenas foram explícitos na crítica ao novo presidente do órgão. “Não aceitamos o loteamento político da FUNAI, especialmente para atender interesses da bancada ruralista e demais setores anti-indígenas, como as últimas nomeações de presidentes, incluindo a do Sr. Wallace Moreira Bastos, cujo currículo denota completa ignorância das questões indígenas”.
Defender sua cultura e suas terras, constantemente ameaçadas pela invasão do homem branco, e para... |
Além
de protestar pelas trocas no comando da Funai, os participantes do ATL fizeram
ao menos duas manifestações pelas ruas de
Brasília.
Na quarta-feira, estiveram em frente à
Advocacia Geral da União para reclamar do
parecer 001/2017 que criou regras para dificultar demarcações
de terras indígenas. Esse documento
estabeleceu que só poderão
ser demarcadas áreas ocupadas pelos índios
até
a data da promulgação da Constituição
Federal de 1988. Já na quinta-feira,
estiveram em frente ao Palácio do
Planalto e ao Ministério da Justiça
para protestar contra o genocídio em terras
indígenas.
Os protestos reuniram entre 1.500 e 2.000 pessoas de acordo com a Polícia
Militar.
O coro pelas candidaturas indígenas foi reforçado pelo famoso cacique Raoni Metuktire, da etnia caiapó. Em sua língua nativa, ele fez um discurso para os 3.500 participantes do ATL conclamando os índios a não brigarem entre si e, ao invés de votarem nos brancos, apoiarem seus pares. “Essa união tem de ser mantida”, afirmou o cacique, segundo o apresentador do evento que traduziu o discurso de Raoni do caiapó para o português.
De simples espectadores da política, eles agora querem se tornar protagonistas. |
O cacique também
cobrou que os jovens passem a participar com maior afinco da política.
“Já
tenho bastante idade. Um jovem tem de aparecer para trabalhar como eu e o
Juruna trabalhamos”.
Militante veterano, a data de nascimento de Raoni é
incerta. Seus biógrafos estimam que
ele tenha nascido entre 1930 e 1932. Ele ficou conhecido mundialmente pela
preservação
dos povos indígenas da Amazônia.
Na década
de 1950, aproximou-se dos famosos irmãos
indigenistas brasileiros Orlando, Cláudio
e Leonardo Villas-Bôas. É
quase uma unanimidade entre o seu povo. Durante o ato de encerramento do ATL um
dos poucos momentos em que todo o público
se calou foi para ouvi-lo discursar. Após
sua fala, vários pré-candidatos
fizeram fila para posar para fotos ao seu lado. “Um santinho com o cacique
Raoni vale muito para a minha candidatura”, afirmou um dos índios
que disputará uma vaga no Congresso.
Edição da Agência Baluarte
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