domingo, 1 de abril de 2018
Ao julgar o mérito do habeas corpus do ex-presidente Lula, o STF decide nesta semana se o crime compensa ou não no Brasil. Caso a impunidade prevaleça, a Corte consagrará o “acordão” previsto pelo senador Romero Jucá
A regra é clara
Um dos idealizadores da República brasileira, o jurista Ruy Barbosa dizia que uma “justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta”. É o que acontecerá caso o STF revise o entendimento da prisão após condenação em segunda instância: o País terá definitivamente uma justiça atrasada, o que configura, como disse Ruy Barbosa, pura injustiça. E, então, diversos encarcerados responsáveis pelos mais diversos crimes, poderão fazer como os personagens da série dirigida por José Padilha: comemorar efusivamente.
A LEI É PARA TODOS? O STF terá a oportunidade de demonstrar que a Justiça brasileira não bate palmas para... |
Princípio Lula
Entre os que podem se beneficiar do “princípio Lula” estão corruptos como o ex-deputado Eduardo Cunha, o ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral, o ex-ministro Antônio Palocci e o ex-diretor da Petrobras, Renato Duque. Cunha já foi condenado por receber propinas de US$ 1,5 milhão. É investigado por irregularidades não só na Petrobras, mas também na Caixa Econômica. Palocci é apontado como interlocutor da Odebrecht junto ao PT. Tinha uma conta de propina em seu nome. Movimentou mais de R$ 128 milhões em recursos ilícitos. Sérgio Cabral é recordista de processos na Lava Jato. São 21 – sendo que em 16 já houve sentença. As penas, somadas, chegam a 100 anos de prisão, por liderar um esquema de corrupção que lesou por anos os cofres do Rio e levou o estado a uma situação de calamidade pública. Ex-diretor de Serviços da Petrobras, Renato Duque também ostenta condenação quase secular: 73 anos e 7 meses de cadeia.
Marco Aurélio sentiu a pressão. Depois de pedir a
suspensão do
julgamento por motivo pessoal, teve que mudar número de telefones e endereço digital.
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No cenário desolador, o ex-ministro José Dirceu, punido com quase 42 anos de prisão, pode nem voltar à cadeia. Condenado em segunda instância, ele aguarda julgamento de embargos infringentes pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região. É o último passo antes da execução da pena – o que pode não acontecer se o STF decidir a favor de Lula. Até mesmo quem ainda não foi condenado poderá buscar o mesmo recurso no futuro, como os ex-ministros Geddel Vieira Lima e Henrique Alves, investigados por crimes de corrupção. Geddel foi preso após a Polícia Federal encontrar mais de R$ 51 milhões em um apartamento em Salvador, na maior apreensão de dinheiro em espécie da história da PF.
O próprio Lula contabiliza inúmeras pendências jurídicas para além do caso do tríplex do Guarujá. Na Justiça Federal do Paraná, ele responde a outros dois processos, por recebimento de propinas na reforma no sítio de Atibaia, pela compra de um terreno para o Instituto Lula e aluguel de um apartamento em São Bernardo. No Distrito Federal, são mais quatro ações penais por crimes como obstrução à Justiça, tráfico de influência, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Há ainda duas denúncias pendentes de análise da Justiça. Uma delas é a do “quadrilhão do PT”, que aponta Lula como o grande líder de uma organização criminosa que desviou milhões de reais dos cofres públicos.
Mesmo fora da Lava Jato, o “princípio Lula” já deu demonstrações claras de seu alcance deletério. Em Brasília, um homem acusado de ter roubado um automóvel foi solto na terça-feira 27 – um pedido do promotor Valmir Soares Santos. Ele alegou que, se Lula não pode ser preso por um atraso da Justiça, aos demais cabe o mesmo destino. É o efeito erga omnes, que em latim significa “vale para todos”. No caso, o homem estava preso aguardando a conclusão de perícias e o promotor entendeu que o suspeito não poderia ser prejudicado por um atraso do Estado, assim como aconteceu com Lula. Abriu-se a porteira. Mais presos se apressam em solicitar a mesma jurisprudência aplicada ao petista. “Do ponto de vista da defesa de outros acusados, o julgamento do habeas corpus vai representar um precedente”, disse à ISTOÉ o advogado Pedro Iokoi. A urgência em analisar o habeas corpus de um ex-presidente da República também amplificou o tom das críticas ao Supremo. “Nos sentimos envergonhados”, disse o desembargador Antônio Souza Prudente, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Segundo ele, uma decisão a favor de Lula será uma afronta aos juízes de segundo grau.
Gilmar deve voltar de
Portugal no dia 4 para fazer o impensável: mudar de opinião sobre
o seu voto dado há pouco
mais de um ano a favor da prisão em
segunda instância.
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Entre os magistrados, o juiz Sergio Moro é o maior entusiasta da prisão em segunda instância. Para ele, a cadeia após esgotadas todas as possibilidades de recursos gera impunidade, especialmente para criminosos poderosos, um dos poucos brasileiros em condições de contratar os melhores advogados do País para explorar as brechas da lei. “Seria ótimo esperar o julgamento até a última instância, mas no nosso sistema processual, extremamente generoso em recursos, isso representa um desastre. Temos processos que se arrastam por décadas e crimes prescrevendo”, afirmou em entrevista ao Roda Viva. Somente na Vara Federal em que atua, a 13ª de Curitiba, há 114 pessoas cumprindo pena após condenações em segunda instância. Não somente condenados por corrupção. Também traficantes e pedófilos. Na Lava Jato, são 12 os condenados em segunda instância cumprindo pena. Diante da perspectiva de reversão do quadro, Moro tem enviado recados ao STF. O posicionamento do juiz incomodou alguns ministros, como Marco Aurélio Mello: “Tempos estranhos em que um juiz de primeiro grau faz apelos a ministros do STF”. Tempos estranhos são aqueles em que os mimos e elogios de uma homenagem são mais importantes do que um exame de tamanha repercussão, como o do HC de Lula. Marco Aurélio foi o pivô da manobra protelatória da análise do HC na quinta-feira 22, que a empurroupara 4 de abril. Com viagem marcada para o Rio de Janeiro para receber uma comenda, ele defendeu a interrupção do julgamento. Como ele, mais quatro ministros estavam com passagens aéreas compradas para a mesma noite. Nos últimos dias, o ministro sentiu o pulso das ruas. Foi bombardeado por mensagens de protesto. Resultado: teve que excluir endereços de e-mail e mudar telefones.
Como se nota, todas as atenções estarão voltadas para a sessão de 4 de abril no STF. Por mais inacreditável que pareça ainda cogita-se um pedido de vistas de um ministro companheiro, o que jogaria para as calendas o julgamento definitivo de Lula. Se o petista sagrar-se vitorioso, o Supremo transmitirá uma mensagem negativa aos brasileiros. “No Brasil, o mundo jurídico não reage à altura dos erros do Supremo”, disse, certa feita, o ex-presidente do STF, Antonio Cezar Peluso. Não reagia. Hoje não só o mundo jurídico como a sociedade observa o tribunal, e suas decisões, com lupa. E, sim, promovem o contraponto à estatura da Corte. Que o STF não cometa o desatino de conferir um salvo conduto à classe política como um todo. É como diria Martin Luther King: “A injustiça num lugar qualquer é uma ameaça à justiça em todo o lugar”. Que seja feita Justiça.
AS INFORMAÇÕES SÃO DA REPÓRTER TÁBATA VIAPIANA
EDIÇÃO DA AGÊNCIA BALUARTE
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