sábado, 7 de outubro de 2017
O que a Lava Jato tem a ver com a privatização do setor energético?
Investigação sobre
contratos da Petrobras abriu caminho para entrega do patrimônio público a
grandes corporações.
“A Lava Jato, sem
mudanças mais profundas, é enxugar gelo”, disse Deltan Dallagnol, chefe da
força-tarefa da operação, em 26 de agosto de 2017. A plateia do 8º Congresso de
Mercados Financeiro e de Capitais, formada por investidores e diretores de
empresas multinacionais, aplaudiu o procurador com entusiasmo.
Depois de um
almoço farto, no Campos do Jordão Convention Center– que pertence ao prefeito
de São Paulo, João Doria (PSDB) –, subiu ao palco o ministro da Fazenda,
Henrique Meirelles. Naquela tarde, ele anunciaria pela primeira vez o prazo
para execução do pacote de privatizações do governo Michel Temer (PMDB),
previsto para o final de 2018. Ao final da palestra, os mesmos que ovacionaram
Dallagnol bateram palmas para Meirelles.
O evento realizado em
Campos do Jordão, interior paulista, é uma metáfora do efeito político e
econômico das ações do Judiciário no Brasil desde 2014. Ao investigar ilegalidades
nos contratos da Petrobras, a Lava Jato clamou por “mudanças profundas” e abriu
margem para a venda do patrimônio público.
“As críticas da Lava
Jato, reproduzidas pela grande mídia, são muito rasas. Os corruptos e
corruptores devem ser punidos, mas isso não acontece hoje. Os delatores são
perdoados e desfrutam de suas mansões, enquanto o trabalhador brasileiro é
punido”, afirma Gerson Castellano, diretor do Sindicato dos Trabalhadores na
Indústria Petroquímica do Estado do Paraná (Sindiquímica). “Associar empresa
estatal à corrupção é típico de quem quer se apropriar desses bens. A
tecnologia que a Petrobras desenvolveu, nenhuma empresa privada nunca conseguiu
fazer”.
Roteiro conhecido
Dallagnol não foi o
único jurista ou integrante da Lava Jato que aproveitou os holofotes para fazer
discursos convenientes ao mercado de capitais. O então procurador-geral da
República, Rodrigo Janot, participou este ano do Fórum Econômico Mundial, na
Suíça, e disse que a operação pode ajudar a atrair investimentos para o Brasil
porque oferece “segurança jurídica” aos empresários. O juiz Sérgio Moro assumiu
a mesma linha argumentativa em eventos do grupo empresarial Lide, que também
pertence ao tucano João Doria. O partido
do prefeito de São Paulo, PSDB, apoia o plano de privatização de Meirelles,
conforme expresso pelo presidente de honra Fernando Henrique Cardoso: “O que
puder privatizar, privatiza, porque não tem outro jeito”, disse FHC, em evento
recente para debater a venda da Eletrobras.
Ministro da Fazenda, Henrique Meirelles atuou como executivo no mercado financeiro e em grandes corporações. |
O roteiro é
semelhante ao da operação Mãos Limpas, na Itália – uma das inspirações da Lava
Jato. As investigações não reduziram os índices de corrupção, mas deram origem
a um governo autoritário que apostou na privatização como saída para a crise. A
diferença é que, no Brasil, o assédio do capital estrangeiro é ainda maior,
dado o potencial energético do país.
“O Afeganistão, por
exemplo, tem um sítio mineral muito grande, mas não tem energia. Não é o nosso
caso. Nossas reservas minerais e nossa capacidade energética são fantásticas”,
explica o engenheiro Antonio Goulart, que trabalhou 40 anos no setor elétrico
federal. “Nossas usinas são fruto de um investimento colossal do Estado
brasileiro, e isso desgraçadamente está passando para as mãos do capital
internacional”, conclui.
Talvez fosse melhor
enxugar gelo.
De mão beijada
Desde o golpe contra
a presidenta Dilma Rousseff (PT), Temer anunciou a desestatização de 91 ativos
de controle estatal – entre eles, 18 aeroportos, duas rodovias, quatro empresas
e 16 concessões de energia. No último dia 27 de setembro, foram leiloadas
quatro usinas da energia da Companhia Elétrica de Minas Gerais (Cemig): São
Simão, Miranda, Jaguara e Volta Grande.
Gerson Castellano
argumenta que o setor energético não pode ser tratado como mercadoria: “A
energia é um direito básico da população. As famílias brasileiras precisam de
energia para ter uma geladeira em casa, para usar aparelhos hospitalares… Quem
vive nos rincões do Brasil sabe o quanto isso é importante”, ressalta. “O
Estado investiu para que nós tivéssemos energia, e o que querem agora é
entregar de mão beijada para a iniciativa privada, que vai se apropriar de um
patrimônio da população para lucrar”.
Segundo entrevista do
economista Luiz Gonzaga Belluzzo ao Brasil de Fato, as carências em
infraestrutura só serão resolvidas com investimento estatal. “Não se pode
esperar, a não ser através da iniciativa clara do setor público, que haja
investimentos em tecnologia e inovação para desenvolver o país”, analisa. “O
sistema de inovação exige um aporte muito grande de recursos, tanto humanos
quanto financeiros. Porque a inovação tem um risco muito grande, e o Estado tem
que mitigar esse risco”, finaliza.
Valor social
A venda da
Eletrobras, maior grupo do setor elétrico na América Latina, é considerada uma
das mais graves do plano de privatizações de Temer. Hoje, a União detém 63,2%
das ações, e a receita líquida anual da empresa é equivalente a R$ 60,7
bilhões.
O engenheiro Antonio
Goulart alerta para a consequência mais imediata da privatização da energia,
que afetará todos os brasileiros: “O custo, que poderia ser muito mais barato
sob controle popular, vai explodir”, explica. “Porque o valor social da energia
é muito maior que o valor de venda. Quando falta energia, param as fábricas, para
a cidade, para a vida. É por isso que um empresário pode chegar e colocar o
preço que quiser, porque todo mundo vai ter que pagar”.
Petróleo na mira
No mesmo dia em que
foram leiloadas as usinas da Cemig na bolsa de São Paulo, aconteceu a 14ª
Rodada de Licitações de blocos para exploração de petróleo, totalizando uma
área de quase 123 mil quilômetros quadrados.
Diretora da Federação
Única dos Petroleiros (FUP), Cibele Vieira afirma que a entrega da camada
pré-sal ao capital estrangeiro é um símbolo das atrocidades do governo Temer.
“O pré-sal coloca o Brasil entre os três maiores países do mundo em reservas de
petróleo. São 170 bilhões de barris, e cada novo poço que se fura, as surpresas
sempre são maiores. Então, a tendência é que esse número possa crescer”,
descreve. “Essas riquezas deveriam servir para prover os direitos sociais da
população, e não para gerar lucro para poucos”.
Reação
Na última terça (3),
o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e a Plataforma Operária e
Camponesa de Energia fizeram um ato político repleto de simbolismos – desde a
data do protesto, que coincidiu com o aniversário de 64 anos da Petrobras.
A manifestação contra
o desmonte do Estado começou em frente ao prédio da Eletrobras, no Rio de
Janeiro, passou pela sede da Caixa Econômica Federal e do Banco do Brasil, e
terminou em frente à Petrobras. Em Curitiba, “palco” da Lava Jato, o protesto
aconteceu no calçadão da rua XV de Novembro, na região central da cidade.
Para Gerson
Cervinski, da coordenação nacional do MAB, “o Brasil está perdendo todas as
riquezas do seu controle”. Um dos principais argumentos dele, além da
precarização da mão de obra, é o resultado desastroso da privatização da Vale
do Rio Doce pelo governo FHC. A empresa foi vendida por R$ 3,3 bilhões em 1997,
quando suas reservas minerais eram estimadas em mais de R$ 100 bilhões.
Dois intelectuais
orgânicos
A privatização do
setor energético brasileiro é resultado de uma atuação conjunta do presidente
da Petrobras, Pedro Parente, e do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles –
dois profissionais com inserção no mercado financeiro, em grandes corporações,
e no setor público.
É o que o filósofo
italiano Antonio Gramsci chamaria de “intelectuais orgânicos”: especialistas em
seus ofícios, eles exercem funções organizativas dentro e fora do Estado, e
isso lhes permite interferir no arranjo da sociedade civil para defender a
classe social que representam. O conceito é complexo, mas a capacidade de
transitar entre os interesse público e privado fica mais clara quando se conhece
o currículo de cada um deles.
Pedro Parente foi
chefe da Casa Civil durante o governo FHC, vice-presidente executivo da RBS,
afiliada da Rede Globo, presidente da empresa de alimentos Bunge Brasil, e
chefia o conselho de administração da Bolsa de Valores de São Paulo.
Henrique Meirelles
foi presidente internacional do banco estadunidense BankBoston e presidente do
Banco Central do Brasil. Até o ano passado, era presidente do Conselho de
Administração da J&F Investimentos, grupo que controla a JBS – cujos
executivos delataram o próprio presidente Michel Temer por corrupção na Lava
Jato.
As informações são do
repórter Daniel Giovanaz
Edição de Ednubia
Ghisi e Fernando Atallaia
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