terça-feira, 16 de agosto de 2016
O que é a Gentrificação e por que você
deveria se preocupar com isso
Gentri o quê? É possível dizer que toda cidade grande
possui, no mínimo, um caso de Gentrificação para estudo. Talvez você já
tenha passado por essa situação. Mas, se não passou, vai entender que é
a história de muita gente
Para entender gentrificação imagine um bairro
histórico em decadência, ou que apesar de estar bem localizado, é reduto
de populações de baixa renda, portanto, desvalorizado. Lugares que não
oferecem nada muito atrativo para fazer… Enfim, lugares que você não
recomendaria o passeio a um amigo.
Imagine, porém, que de um tempo para cá, a
estrutura deste bairro melhorou muito: aumentou a segurança pública e
agora há parques, iluminação, ciclovias, novas linhas de transporte,
ruas reformadas, variedade de comércio, restaurantes, bares, feiras de
rua… Uma verdadeira revolução que traria muitos benefícios para os
moradores da região, exceto que eles não podem mais morar ali.
Talvez você já tenha passado por essa situação. Mas, se não passou, deve imaginar que é a história de muita gente. E o nome dessa história é gentrificação. |
É que, depois de todos esses melhoramentos, o valor
do aluguel dobrou, a conta de luz triplicou e as idas semanais ao
mercadinho da esquina ficaram cada vez mais caras, ou seja, junto com
toda a melhora, o custo de vida subiu tanto que não cabe mais no
orçamento dos atuais moradores. E o mais cruel de tudo é perceber que,
enquanto o antigo morador procura um novo bairro, pessoas de maior poder
aquisitivo estão indo morar no seu lugar.
Talvez você já tenha passado por essa situação.
Mas, se não passou, deve imaginar que é a história de muita gente. E o
nome dessa história é gentrificação.
Gentri o quê?
Gen-tri-fi-ca-ção. Vem de gentry, uma expressão
inglesa que designa pessoas ricas, ligadas à nobreza. O termo surgiu nos
anos 60, em Londres, quando vários gentriers migraram para um bairro
que, até então, abrigava a classe trabalhadora. Este movimento disparou o
preço imobiliário do lugar, acabando por “expulsar” os antigos
moradores para acomodar confortavelmente os novos donos do pedaço. O
evento foi chamado de gentrification, que numa tradução literal, poderia
ser entendida como o processo de enobrecimento, aburguesamento ou
elitização de uma área… Mas nós preferimos ficar com o aportuguesamento
do termo original.
Como funciona?
Um processo de gentrificação possui bastante
semelhança com um projeto de revitalização urbana, com a diferença que a
revitalização pode ocorrer em qualquer lugar da cidade e normalmente
está ligada a uma demanda social bastante específica, como reformar uma
pracinha de bairro abandonada, promovendo nova iluminação, jardinagem,
bancos… E quem se beneficia da obra são os moradores do entorno e, por
tabela, a cidade toda.
A gentrificação, por sua vez, se apoia nesse mesmo
discurso de “obras que beneficiam a todos”, mas não motivada pelo
interesse público, e sim pelo interesse privado, relacionado com
especulação imobiliária. Logo, tende a ocorrer em bairros centrais,
históricos, ou com potencial turístico.
O processo é bastante simples: suponha, que o preço
de venda de um imóvel num bairro degradado seja 80 mil. Porém, se este
bairro estivesse completamente revitalizado, o mesmo imóvel poderia
valer até 200 mil. Há, portanto, uma diferença de 150% entre o valor
real e o valor potencial do mesmo imóvel, certo? Agora imagine qual
seria o valor potencial de um bairro inteiro?
É exatamente nesta diferença entre o potencial e o
real, que os investidores imobiliários enxergam a grande oportunidade
para lucrar muito investindo pouco. Mas para que tudo isso se
concretize, é necessário que haja um outro projeto, o de revitalização
urbana, e este, sim, é bancado com dinheiro público, ou através de
concessões públicas. Os governantes também costumam enxergar no processo
de gentrificação uma grande oportunidade: de justificar uma obra, se
apoiar no interesse privado da especulação imobiliária para promover
propaganda política de boa gestão.
E aonde acontece?
Em muitos lugares. Talvez seja possível dizer que
toda cidade grande possui, no mínimo, um caso para estudo. Evidentemente
existem alguns exemplos mais clássicos, em virtude da fama e influência
que algumas cidades possuem, ou por conta do contexto histórico
envolvido. Vamos destacar rapidamente dois deles:
1. Williamsburg (Nova York, EUA)
Até meados da década de 1990, Williamsburg era
apenas mais um bairro residencial do distrito do Brooklyn, cujo único
atrativo era sua paisagem – o famoso skyline da Ilha de Manhattan. Foi
nessa época que artistas e artesãos locais migraram para o bairro em
busca de aluguéis baratos e boa localização. Este movimento se
intensificou até virar um dos maiores casos de gentrificação que se tem
conhecimento: hoje, é um dos bairros mais badalados do mundo, que dita
algumas das referências de moda, música, arte e gastronomia da sociedade
ocidental. O processo foi tão grande que alguns dos próprios
gentrificadores, precisando fugir do alto custo de vida, se mudaram para
o bairro vizinho, Bushwick, que atualmente passa um processo quase
idêntico ao de Williamsburg no começo dos anos 2000.
2. Friedrichshain (Berlim, Alemanha)
Após a queda do muro de Berlim, houve uma grande
migração dos moradores de bairros da parte oriental – como
Friedrichshain, para a parte capitalista da cidade, em busca de emprego,
vida moderna e habitação confortável. Este fato abriu oportunidade para
que a área, abandonada, fosse ocupada por imigrantes turcos, punks e
artistas, em sua maioria jovens e pobres, e essa mistura naturalmente
transformou o lugar em um grande fervilhão alternativo, criando uma
subcultura de diversas tribos e origens, que hoje promove gastronomia,
arte e entretenimento de alto padrão, atraindo berlinenses, turistas do
mundo inteiro e é utilizada pelo próprio governo como marca turística.
Obviamente, este fenômeno trouxe um assombroso
encarecimento do custo de vida e um acelerado processo de gentrificação:
o caso berlinense foi tão violento que o parlamento alemão criou uma
lei proibindo bairros com altos índices de gentrificação subirem os
preços dos aluguéis mais do que 10% acima da média da região. A lei vem
sendo aplicada em Berlin desde Maio de 2015, e em breve também será
institucionalizada em outras cidades alemãs.
Há ainda vários outros casos famosos de
gentrificação: La Barceloneta (Barcelona, Espanha); Puerto Madero
(Buenos Aires, Argentina), Malasaña (Madrid, Espanha) e também alguns
casos bastante estudados no brasil, como Lapa e Vidigal no Rio de
Janeiro, e Vila Madalena em São Paulo, mas isto é assunto para uma outra
conversa…
E por que eu deveria me preocupar com Gentrificação?
Olha, até existem especialistas que não
“criminalizam” a gentrificação, por acreditar que este é um processo
decorrente da chamada “Sociedade Pós-Industrial”, na qual as relações de
consumo (demanda) ditam as relações de produção (oferta), e esta é uma
condição natural e irreversível do nosso tempo. Há um debate profundo
sobre isso, e a resposta sobre a gentrificação ser boa ou ruim… Bem,
depende. Não dá para afirmar com certeza, ainda.
Mas desconfiamos que é mais nociva do que saudável.
Por constituir um processo típico de especulação imobiliária, a
gentrificação precisa de muito investimento e respaldo do poder público
para atender à uma demanda de interesse privado. Ou seja, a cidade
(enquanto “a coisa pública”) tem propensão a ser planejada de acordo com
a vontade do interesse privado, que não necessariamente é a mesma
vontade da população, e nem sempre vai ao encontro das demandas
defendidas por especialistas em planejamento urbano.
Por outro lado, estudos recentes realizados nos
Estados Unidos apontam que moradores antigos de bairros gentrificados
não apenas não foram “expulsos” por conta da valorização imobiliária,
como conseguiram, por causa da gentrificação, ampliar suas rendas.
Apesar de serem inconclusivos, pois tratam mais de proprietários (que
possuem renda sobre o imóvel) e menos de inquilinos (que pagam a renda
para o proprietário do imóvel), os estudos colocam à prova alguns
“mantras inquestionáveis” da corrente crítica da gentrificação, e abre
precedente para a corrente que enxerga o fenômeno como algo saudável
para a vida urbana contemporânea.
Do nosso ponto de vista, a gentrificação representa
um grande perigo para as cidades, de maneira geral, porque independente
de consequências saudáveis ou nocivas para o bairro que foi
gentrificado, o grande problema está em mapear o que aconteceu com as
pessoas que de fato foram forçadas a migrarem para outros lugares por
conta do processo gentrificador: para qual bairro elas foram? Este
bairro recebe os mesmos investimentos públicos, e desperta a mesma
atenção que o bairro gentrificado? Acreditamos que a resposta seja
negativa.
E, se para o bairro bonito pode tudo, e para o feio
não pode nada, então não há um projeto de cidade inclusiva e
democrática acontecendo nas nossas cidades. A gentrificação apenas será
bacana e descolada de verdade quando todos os bairros puderem ver a
renda de seus imóveis sendo elevadas, propiciando uma vida cultural,
rica, vibrante, que respeite as tradições de cada lugar. Se não for por
inteiro, então não vale.
AS INFORMAÇÕES SÃO DO REPÓRTER EMANOEL COSTA
EDIÇÃO DA AGÊNCIA BALUARTE
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